Lei 14.133/2021 e municípios: Impactos imediatos e oportunidades à esfera municipal

 

Gabriela Lira Borges é Mestre em Governança e Planejamento Público pela UTFPR. Especialista em Direito Constitucional pela Unisul. Especialista em Direito Tributário pela Uniderp/Anhanguera. Procuradora do Estado do Acre de 2005 a 2012. Consultora Jurídica da Consultoria Zênite de 2012 a 2016. Analista de Licitações do SESC Paraná de 2016 a 2017. Atualmente, Assessora Jurídica do SENAR Paraná.

Autora de diversos artigos jurídicos, versando especialmente sobre licitações e contratos, regime de pessoal dos servidores públicos e Sistema S e consultora jurídica na área de licitações, contratos e regime jurídico de servidores públicos.

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Publicada em 01 de abril de 2021, a Lei 14.133/2021, chamada Nova Lei de Licitações, veio a estabelecer normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A Nova Lei de Licitações traz diversos dispositivos destinados a fortalecer a governança nas contratações públicas e, neste ponto, não é propriamente inovadora uma vez que a preocupação com governança se insere em um cenário mais amplo de fortalecimento da governança pública no Brasil.

A Lei trata de questões relacionadas à integridade, gestão de riscos e o planejamento das contratações e muitos outros temas, com foco no aperfeiçoamento da governança pública, alinhando-se, assim ao que já vinha sendo exigido pelos órgãos de controle tanto em face da administração pública federal quanto em face de Estados e Municípios.

Assim, pode-se afirmar que a adequação imediata à Nova Lei não se trata apenas de “cumprir a Lei”, mas devido a identidade de seus comandos a inúmeros posicionamentos jurisprudenciais emitidos pelo TCU, adequar-se à Nova Lei é estar em conformidade com tudo que o Tribunal de Contas da União, de há muito, já exige de toda a Administração Pública, inclusive, a municipal.

Especificamente no que se refere à adequação dos municípios à Nova Lei de Licitações, há no artigo 176 uma previsão que tem, por vezes, conduzido à compreensão de que entes municipais não necessitariam adequar-se à Lei 14.133 de forma imediata ou mesmo que haveria bastante tempo até que precisassem estar capacitados para atuar em conformidade com a Nova Lei.

Nesse sentido, o artigo 176 dispôs que os Municípios com até vinte mil habitantes terão o prazo de 6 (seis) anos, contado da data de publicação da Lei, apenas para cumprimento de três situações específicas, quais sejam: a) atender aos requisitos estabelecidos no art. 7º e no caput do art. 8º desta Lei; b) obrigatoriedade de realização da licitação sob a forma eletrônica a que se refere o § 2º do art. 17 desta Lei e c) aplicar regras relativas à divulgação em sítio eletrônico oficial.

Vê-se, assim, que o adiamento para se adaptar à Nova Lei de Licitações aplica-se tão somente às situações pontuais especificadas por seu art. 176 de sorte que, de um modo geral, a aplicação da Nova Lei é também imediata para os municípios na maioria dos seus 194 artigos.  

Postas estas considerações, cabe tecer algumas observações, ainda que brevemente, sobre as situações pontuais com aplicação postergada para os municípios, elencadas pelo artigo 176.

Quanto aos artigos 7º e 8º, estes disciplinam questões relevantes atinentes aos agentes públicos inseridos nos processos de contratações. Enquanto o artigo 7º trouxe diretrizes para autoridades máximas dos órgãos, o artigo 8º tratou dos atores envolvidos no processo de contratação.

No que se refere à autoridade máxima do órgão, o dispositivo estabelece que a ela competirá: a) promover a gestão por competências e b) designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei.  

Quanto à gestão por competências, esta pode ser compreendida, de uma forma bem sintética, como uma responsabilidade que recai sobre a autoridade de promover o desenvolvimento dos servidores nas competências necessárias à consecução da excelência em sua área de atuação.

Já no que diz respeito à  designação de colaboradores para atuar nas áreas de licitações e contratos, o artigo 7º determina requisitos que devem ser buscados pela autoridade competente quando da escolha dos servidores, quais sejam: a) que sejam, preferencialmente, servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública; b) que tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e c) não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.

Em síntese, observa-se que, para a área de licitações e contratos, a lei deu preferência aos servidores com vínculos permanentes com a Administração, considerou necessário que estes agentes públicos detenham conhecimentos específicos para atuar com licitações e contratos, e preveniu comprometimentos à lisura do certame devido a eventuais relacionamentos entre licitantes/contratados e servidores da área de contratações.

Já com relação ao art. 8º, este versa sobre os atores da contratação, definindo em seu caput, o agente de contratação como “pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação”.

Ao agente de contratação caberá acompanhar a fase preparatória da licitação zelando para que sejam tempestivamente elaborados atos essenciais desta fase bem como praticar atos relativos à fase externa desde a condução da sessão pública até a conclusão do procedimento com a identificação do vencedor.

Diante desse cenário, é possível constatar que apesar da autorização conferida pelo art. 176 para postergar a aplicação da Nova Lei, a adequação aos artigos 7º e 8º demandará dos municípios muitas medidas prévias sem as quais nem mesmo daqui a seis anos conseguirão estar adequados à Lei 14.133.

Nesse sentido, cita-se, apenas exemplificativamente, a necessidade de se diagnosticar a situação de seus quadros funcionais, identificar déficit de pessoal, reestruturar carreiras, além de capacitar servidores e autoridades.

Outro aspecto que evidencia a necessidade de que municípios tenham conhecimento de todo o conjunto normativo trazido pela Lei 14.133, refere-se ao fato de que próprio artigo 176 determina o procedimento a ser adotado para os municípios enquanto não adotarem o PNCP.

Ou seja, mesmo nas situações em que a Nova Lei autoriza o não cumprimento imediato, ela mesma já estabelece requisitos para se manter regular perante o novo regime até a completa adequação.  

Além da necessidade de conhecimento geral da Lei uma vez que apenas as situações previstas no artigo 176 podem ser tratadas a posteriori, cabe destacar algumas situações especialmente relevantes para os municípios, às quais devem ser aplicadas a Nova Lei de Licitações:

  • Realização de obras e serviços de engenharia com utilização de recursos da União, aplicando-se o art. 23, inciso I da Lei 14.133/2021;
  • Adesão à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora do Poder Executivo federal, para fins de transferência voluntária, na forma do art. 86, § 6º da Lei 14.133/2021;
  • Adesão à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora federal, estadual ou distrital, na forma do art. 86, § 3º;
  • Aquisições e contratações com uso de recursos federais provenientes de convênios e cooperações com a Administração Pública federal, entre outros.
  • Utilização dos novos limites de dispensa em razão do valor, significativamente aumentados, na forma do art. 75 da Lei.

Ainda, outras questões não menos relevantes necessitam ser enfrentadas desde logo pelos municípios tais como, identificar espaço para atuação normativa local nas situações em que a Nova Lei é lacunosa ou autoriza atividade regulamentadora posterior e implementar práticas de racionalização geral de procedimentos administrativos, a exemplo da centralização de aquisições e contratações em uma central de compras, na forma do art. 181 da NLCC.

Nesse cenário, resta evidenciado que a concessão de prazo pelo art. 176 para adequação dos municípios a situações específicas não exclui os entes municipais da incidência da Lei 14.133/2021, cabendo à Administração Pública Municipal buscar compreender a Nova Lei de maneira global, seja para estar adequada aos aspectos em que a lei se mostra imediatamente aplicável seja para que possa adotar as medidas necessárias para estar preparada quando todo o conjunto normativo for de aplicação inarredável.