Considerações sobre o acórdão 3258/2020-Plenário e a governança no Sistema S à luz da jurisprudência do TCU

 

Gabriela Lira Borges é Mestre em Governança e Planejamento Público pela UTFPR. Especialista em Direito Constitucional pela Unisul. Especialista em Direito Tributário pela Uniderp/Anhanguera. Procuradora do Estado do Acre de 2005 a 2012. Consultora Jurídica da Consultoria Zênite de 2012 a 2016. Analista de Licitações do SESC Paraná de 2016 a 2017. Atualmente, Assessora Jurídica do SENAR Paraná.

Autora de diversos artigos jurídicos, versando especialmente sobre licitações e contratos, regime de pessoal dos servidores públicos e Sistema S e consultora jurídica na área de licitações, contratos e regime jurídico de servidores públicos.

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Considerações sobre o acórdão 3258/2020-Plenário e a governança no Sistema S à luz da jurisprudência do TCU

Em contribuições anteriores ao Ementário de Gestão Pública, temos dado prioridade a assuntos intrínsecos ao cotidiano da Administração Pública sob um enfoque pragmático, sempre visando a contribuir com a solução de problemas práticos dos gestores públicos.

Hoje, entretanto, peço licença aos estimados leitores do EGP, para ultrapassar as fronteiras da Administração Pública para abordar tema afeto às entidades do Sistema S, relativo à governança, à luz de entendimentos do TCU. Tais entidades, conforme sabemos, prestam serviços de interesse público razão pela qual são destinatárias de recursos públicos, advindos de contribuições parafiscais[1].

O recebimento de recursos públicos atrai sobre o Sistema S a jurisdição do Tribunal de Contas da União que exerce controle finalístico, consoante já afirmado pelo STF no RE 789874[2] e no MS 34296 AgR[3]. Ao acompanhar a jurisprudência da Corte de Contas, é possível perceber um foco na governança e o elevado caráter pedagógico dos julgados proferidos.

Nesta linha, cita-se o paradigmático acórdão 699/2016-Plenário que teve por objetivo avaliar o nível de transparência destas entidades quanto a diversos aspectos, entre os quais, a divulgação de dados sobre receitas e despesas; licitações; contratos e transferências de recursos a federações e confederações.

Por meio do acórdão 699/2016, o TCU recomendou a todas as entidades do Sistema S a disponibilização de acesso centralizado às informações e dados padronizados relativos aos assuntos tratados no acórdão, respeitada a autonomia regional de cada departamento, o estabelecimento de auditorias internas, a criação ou aprimoramento de códigos de ética, entre outras medidas voltadas ao aperfeiçoamento dos processos de governança.

Outras decisões podem ser citadas, a exemplo dos acórdãos 545/2015 – Plenário, 6.813/2017 – Primeira Câmara e o 7311/2020-Primeira Câmara, dos quais se extraem diretrizes para processos de patrocínio, como a necessária análise da pertinência do objeto a ser patrocinado com os objetivos institucionais, a obrigatoriedade de prestação de contas, a necessidade de um normativo interno às entidades disciplinando os procedimentos, entre outras.

Há também diversas decisões sobre os processos seletivos, tais como o acórdão 8519/2019-Primeira Câmara, o acórdão 7436/2018-Segunda Câmara ou o acordão 9769/2020-Primeira Câmara que trazem questões como a necessidade de regulamentos internos disciplinando os processos seletivos, adoção de critérios objetivos de seleção, a ampla publicação de resultados dos processos, inclusive de cada etapa, e uma série de outras recomendações voltadas à transparência e eficiência dos processos de seleção de pessoal.

Recentemente, o TCU analisou questões atinentes à gestão compartilhada de entidades do Sistema S e as federações patronais as quais estão vinculadas, com foco nos rateios de recursos para compartilhamento de despesas. Trata-se do acórdão 3258/2020-Plenário, uma decisão extensa e rica em parâmetros de boa governança e que, ainda que se dirija especificamente a casos concretos analisados (e às respectivas unidades jurisdicionadas), pode fornecer diretrizes úteis para situações de despesas compartilhadas/rateio de recursos similares.

Em linhas gerais, a investigação no acórdão 3258/2020 centrou-se em duas questões, quais sejam, se as despesas suportadas por cada entidade (entidade S e entidade sindical patronal) eram proporcionais aos benefícios auferidos por elas e, ainda, se haveria transparência na gestão compartilhada de modo suficiente a que a proporcionalidade do rateio de despesas pudesse ser adequadamente aferida.

No acórdão foram identificadas desproporções no compartilhamento de pessoas, áreas e despesas imobiliárias e condominiais e a ausência de publicidade suficiente sobre os critérios de rateio de despesas, prestações de contas e demais informações sobre situações de compartilhamento.

Quanto ao compartilhamento de pessoas, foi identificada desproporção entre o número de funcionários das federações e das entidades do Sistema S alocados em áreas compartilhadas, com prevalência de funcionários das federações nestas áreas, apesar de o custeio das despesas dos empregados recair sobre a entidade do Sistema S.

Além da desproporcionalidade no rateio, a situação poderia ainda configurar fornecimento de pessoal pelas federações para as entidades do Sistema S, sem a submissão aos processos seletivos que estas entidades devem realizar.

No que se refere ao compartilhamento de estrutura, foi identificada a existência de áreas de interesse exclusivo de federações alocadas em áreas compartilhadas, com predominância do custeio de despesas por entidade do Sistema S. 

Ainda, foi identificado o compartilhamento de imóveis, porém sem um claro mapeamento das áreas ocupadas por entidade nos espaços físicos compartilhados o que conduz a critérios de rateio de despesas imobiliárias e condominiais que não condizem com a área efetivamente usada por entidade ou setor.

Sem adentrar nos pormenores dos casos concretos analisados pelo acórdão, é possível extrair orientações gerais que podem contribuir para a boa governança em situações em que entidades do Sistema S e federações optem pelo compartilhamento de estruturas, pessoas e processos.

Nesse sentido, aspecto que merece ser destacado da decisão, e que foi resgatado pelo acórdão 3258/2020, é que a jurisprudência do Tribunal é pacífica no sentido de admitir o compartilhamento e o respectivo rateio de despesas entre as federações patronais e as entidades do Sistema S, “desde que sejam de interesse comum e não onerem desproporcionalmente uma das entidades” (Decisão n. 612/1999-TCU –Plenário).

As situações identificadas no acórdão 3258/2020 traduzem ausência de critérios de rateio que garantam benefícios proporcionais às despesas suportadas por cada entidade. Assim, o acórdão assentou que os ajustes que dispõem sobre situações de compartilhamento de pessoas, estrutura, serviços ou processos entre o Sistema S e as federações sindicais patronais devem estabelecer critérios de rateio de despesas proporcionais ao benefício auferido por cada entidade participante.

Nessa linha, excerto do Voto proferido pelo Min. Marcos Bemquerer Costa: “(…)sejam adotados critérios objetivos de rateio que garantam a proporcionalidade e a vantajosidade às entidades do Sistema S nas despesas incorridas conjuntamente, e que evidenciem o benefício auferido individualmente por entidade participante do sistema de compartilhamento.”

No que se refere à publicidade das informações relativas ao compartilhamento e rateio de despesas, o entendimento adotado no acórdão 3258/2020 é de que deve ser dada ampla publicidade, preferencialmente em sítios da internet, às informações relativas aos compartilhamentos e aos critérios de rateio para as despesas suportadas conjuntamente, não sendo suficiente apenas a divulgação interna destas informações.

Em síntese, a leitura do recente acórdão permite inferir que o entendimento do Tribunal quanto ao compartilhamento entre federações e entidades é de que tal procedimento reflete “uma modernização administrativa por meio da racionalização dos procedimentos na busca de objetivos comuns” (Decisão n. 325/1999-TCU, Plenário). Contudo, para que seja coerente com boas práticas de governança, notadamente no que se refere à transparência, equidade e accountability, alguns parâmetros precisam ser observados.

Nessa linha, o compartilhamento deve: a) visar a objetivos comuns às entidades envolvidas; b) ser formalizado por ajuste celebrado entre as entidades envolvidas, o qual deverá prever critérios de rateio de despesas c) os critérios de rateio devem assegurar a proporcionalidade e a vantajosidade do rateio, não devendo a entidade do Sistema S custear despesas que se identifiquem com objetivos institucionais exclusivos das federações.

[1] Nesse sentido, Acórdão TCU nº 1507/2020-Plenário.

[2] DJ 19/11/2014.

[3] DJ 28-05-2018.