Lei nº 14.133/2021 e pesquisa de preços: Breves considerações sobre a IN 65, de 7 de julho de 2021

Gabriela Lira Borges é Mestre em Governança e Planejamento Público pela UTFPR. Especialista em Direito Constitucional pela Unisul. Especialista em Direito Tributário pela Uniderp/Anhanguera. Procuradora do Estado do Acre de 2005 a 2012. Consultora Jurídica da Consultoria Zênite de 2012 a 2016. Analista de Licitações do SESC Paraná de 2016 a 2017. Atualmente, Assessora Jurídica do SENAR Paraná.

Autora de diversos artigos jurídicos, versando especialmente sobre licitações e contratos, regime de pessoal dos servidores públicos e Sistema S e consultora jurídica na área de licitações, contratos e regime jurídico de servidores públicos.

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Uma das peculiaridades da Lei 14.133/2021 é a necessidade de regulamentação posterior. Uma breve leitura da norma permite identificar mais de cinquenta temas que demandam tratamento regulamentar para que a lei possa ser efetivamente ser aplicada. Pedem regulamentação assuntos como margem de preferência, procedimentos operacionais para leilão, catálogo eletrônico de padronização de compras, critérios de desempate, entre muitos outros.

Alguns dos temas que demandam regulamentação já estão sendo tratados pelo Ministério da Economia que tem emitido diversas minutas de normas as quais, após submetidas à análise e participação social, virão, paulatinamente, a regulamentar e assim viabilizar a aplicação da nova lei de licitações.

Entre as matérias que já estão em processo de regulamentação, estão os estudos técnicos preliminares, a governança nas contratações, o plano anual de contratações, questões sobre o agente de contratação, equipe de apoio, comissão de contratação, gestores e fiscais de contratos, leilão eletrônico e a participação de pessoas físicas em contratações públicas.

Atendendo à necessidade de regulamentação inserida no art. 23, § 1º da Lei 14.133/2021, recentemente, foi publicada a Instrução Normativa SEGES/ME 65, de 7 de julho de 2021 que trata sobre a pesquisa de preços. A IN dispõe sobre “o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.”

A norma é composta por onze artigos, organizados em quatro capítulos, os quais dispõem sobre: a) objeto, âmbito de aplicação da norma e definições relevantes; b) a elaboração da pesquisa de preços (formalização, critérios, parâmetros e metodologia para obtenção do preço estimado); c) contratações específicas (contratação direta, de TIC e com dedicação exclusiva de mão-de-obra) e d) disposições finais (vigência, aplicabilidade e orientações gerais). Considerando a relevância da pesquisa de preços na rotina dos gestores, pretende-se aqui abordar os principais aspectos do novo regulamento.

No que se refere ao objeto a norma disciplina o procedimento administrativo para pesquisa de preços para aquisições de bens e contratações de serviços em geral, dela estando excluídas às contratações de obras e serviços de engenharia.

Quanto ao âmbito de aplicação, a norma é aplicável à administração pública federal direta, autárquica e fundacional, cabendo aos órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, observá-la quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias.

Ainda, na mesma linha do que já era previsto pela IN 73/2020, os procedimentos trazidos pela IN 65 devem ser aplicados também nas situações de adesão à ata de registro de preços para demonstração da vantajosidade da adesão, “bem como da contratação de item específico constante de grupo de itens em atas de registro de preços” (art. 1º, § 3º).

Ainda em seu primeiro capítulo, a IN apresenta as definições de preço estimado e sobrepreço. Quanto ao estimado, define ser aquele obtido a partir de método matemático aplicado em série de preços coletados, devendo desconsiderar, na sua formação, os valores inexequíveis, os inconsistentes e os excessivamente elevados. Quanto ao sobrepreço, refere-se aquele preço orçado para licitação ou contratado, em valor expressivamente superior aos preços referenciais de mercado.

Sobre a elaboração de pesquisa, a IN determina a formalização por documento contendo diversas informações descritas pelo art. 3º, tais como descrição do objeto da pesquisa, identificação do agente responsável pela pesquisa, fontes utilizadas, método aplicado para definição do valor, entre outros.

Ainda no que se refere ao processo de elaboração da pesquisa, a IN se refere aos critérios a serem observados, assim compreendidos como situações ou condições específicas que podem impactar no preço estimado. São os referidos pelo art.4º: condições comerciais praticadas, prazos e locais de entrega, instalação e montagem do bem ou execução do serviço, quantidade contratada, formas e prazos de pagamento, fretes, garantias exigidas e marcas e modelos, além de potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto, quando for o caso.

A IN inova ao prever que no caso de previsão de matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado, o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e os riscos atribuídos ao contratado, de acordo com a metodologia estabelecida no Caderno de Logística, elaborado pela Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.

Quanto aos parâmetros para elaboração da pesquisa, a IN 65 apresenta cinco parâmetros a serem utilizados de forma combinada ou não. Os dois primeiros parâmetros trazidos e que devem ser utilizados de forma prioritária, em relação aos demais são: a) os custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente nos sistemas oficiais de governo, como Painel de Preços ou banco de preços em saúde, b) contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços. A não utilização destes parâmetros de forma prioritária acarreta para o gestor o dever de justificar a impossibilidade de utilizá-los.

Além do painel de preços e da pesquisa a contratações similares da própria administração são trazidos ainda os seguintes parâmetros: c) dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que atualizados no momento da pesquisa e compreendidos no intervalo de até 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital; d) pesquisa direta com, no mínimo, 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, por meio de ofício ou e-mail, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital e e) pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, desde que a data das notas fiscais esteja compreendida no período de até 1 (um) ano anterior à data de divulgação do edital, conforme disposto no Caderno de Logística, elaborado pela Secretaria de Gestão da Secretaria Especial

Quanto à pesquisa com fornecedores, de forma didática, a IN elenca o conteúdo mínimo das propostas no caso de utilização da pesquisa com fornecedores (art. 5º, § 2º).

No que se refere à metodologia para obtenção do preço estimado, os métodos admitidos pela IN 65 são a média, a mediana ou o menor dos valores obtidos na pesquisa de preços, desde que o cálculo incida sobre um conjunto de três ou mais preços, excluídos valores inexequíveis, inconsistentes e os excessivamente elevados.

Excepcionalmente, será admitida a formação do preço estimado com base em menos de três preços, desde que devidamente justificada nos autos pelo gestor responsável e aprovada pela autoridade competente (art. 6º, § 5º).

A utilização de outros métodos e mesmo de outros critérios distintos dos previstos pelo art. 5º da IN é admitida, desde que devidamente justificada autos pelo gestor responsável e aprovados pela autoridade competente.

No que se refere a contratações específicas, há diretrizes para contratações diretas, contratações de TIC e contratações com dedicação de mão-de-obra exclusiva.

Sobre as contratações diretas, a o art. 7º da IN estabelece que tanto às contratações diretas por inexigibilidade quanto por dispensa de licitação, aplicam-se os parâmetros de pesquisa previstos em seu art. 5º (painel de preços, pesquisa a contratações da Administração, etc). Porém, no caso da inexigibilidade, a realização de pesquisa de preços nos moldes do art. 5º parece inviável diante da situação de inviabilidade de competição característica da inexigibilidade.

Nas inexigibilidades, a adequação de preços, como se sabe, é demonstrada pela análise dos preços praticados pelo próprio contratado em contratações anteriores. Assim, compreende-se que às inexigibilidades deve ser aplicado o disposto pelo § 1º do art. 7º, de seguinte teor: “§ 1º Quando não for possível estimar o valor do objeto na forma estabelecida no art. 5º, a justificativa de preços será dada com base em valores de contratações de objetos idênticos, comercializados pela futura contratada, por meio da apresentação de notas fiscais emitidas para outros contratantes, públicos ou privados, no período de até 1 (um) ano anterior à data da contratação pela Administração, ou por outro meio idôneo.”

Ainda no que se refere à justificativa de preços nas inexigibilidades, a IN soluciona uma dificuldade frequente do gestor quando da demonstração da adequação do preço. Neste sentido, a IN permite que nos casos em que o futuro contratado ainda não tenha comercializado o objeto a ser contratado, a justificativa do preço possa ser feita mediante comparação de preços de objetos semelhantes de mesma natureza1, com especificações técnicas que demonstrem similaridade com o objeto pretendido.

Para as contratações de itens de TIC, a regra inserta no art. 8º da IN 65 prevê o uso dos preços de itens constantes nos Catálogos de Soluções de TIC com Condições Padronizadas, publicados pela Secretaria de Governo Digital da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, como preço estimado, salvo se a pesquisa de preços realizada resultar em valor inferior.

Já para as contratações de prestação de serviços com regime de dedicação de mão de obra exclusiva, fica mantido o regramento instituído pela Instrução Normativa nº 5, de 26 de maio de 2017, ou outra que venha a substitui-la, aplicando-se a IN 65 apenas de forma subsidiária no que cabível.

Por fim, importante ressaltar que a IN 73/2020 que também disciplina procedimentos para realização de pesquisa de preços não foi revogada e permanece aplicável aos procedimentos administrativos autuados ou registrados sob a égide da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, da Lei nº 10.520, de 17 de junho de 2001, e da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, incluindo contratações e eventuais renovações ou prorrogações de vigências respectivas.

1 De acordo com o artigo 75, § 1º, inciso II da Lei 14.133/2021, objetos de mesma natureza são aqueles relativos a contratações no mesmo ramo de atividade. Aclarando um pouco mais o conceito, a IN 67, de 2021, que versa sobre dispensa eletrônica previu que “§ 2º Considera-se ramo de atividade a partição econômica do mercado, identificada pelo nível de subclasse da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE.”