Gabriela Lira Borges é Mestre em Governança e Planejamento Público pela UTFPR. Especialista em Direito Constitucional pela Unisul. Especialista em Direito Tributário pela Uniderp/Anhanguera. Procuradora do Estado do Acre de 2005 a 2012. Consultora Jurídica da Consultoria Zênite de 2012 a 2016. Analista de Licitações do SESC Paraná de 2016 a 2017. Atualmente, Assessora Jurídica do SENAR Paraná.
Autora de diversos artigos jurídicos, versando especialmente sobre licitações e contratos, regime de pessoal dos servidores públicos e Sistema S e consultora jurídica na área de licitações, contratos e regime jurídico de servidores públicos.
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Em nossas contribuições ao Ementário de Gestão Pública, temos dado ênfase ao tema planejamento por reconhecer que toda a contratação é impactada positivamente quando planejada de forma adequada. O foco no planejamento, claro, não é exclusividade nossa, mas de muitos doutrinadores de renome e da própria jurisprudência do TCU, como já evidenciado em diversos precedentes divulgados aqui mesmo no Ementário.
O projeto da nova lei de licitações e contratos, o PL n. 4235/2020, aprovado pelo Senado em 10/12/2020 trouxe o planejamento como um dos princípios a serem aplicados quando da aplicação da nova lei de sorte que, com a entrada em vigor da nova legislação, o planejamento passará à norma jurídica de observância inescusável nas contratações públicas.
Neste contexto, gostaríamos de contribuir com algumas reflexões sobre umas das principais atividades a ser realizada durante a fase de planejamento, qual seja, a elaboração da justificativa, aqui considerado o ato ou processo de identificar e justificar a necessidade da contratação.
Para os que possuem experiência com contratações, talvez o texto não traga novidades, mas diante dos novos mandatos municipais, pensamos que as considerações aqui lançadas podem ser úteis para aqueles gestores que receberão como nova “missão” profissional atuar com licitações e contratos. Assim, com o objetivo de contribuir com os gestores em seus desafios no ano que se inicia, apresentamos essa singela contribuição aos estimados leitores do EGP.
A partir de minha atuação com contratações públicas, pude observar que, apesar da essencialidade da justificativa para tais contratações, da profusa jurisprudência que evidencia a relevância do ato para o processo e da farta produção doutrinária que poderia subsidiar a elaboração do ato, as justificativas ainda apresentam bastante lacunas.
No exercício de orientação jurídica, exsurgem também muitas dúvidas quanto ao conteúdo mínimo necessário que deve constar de uma justificativa para contratações decorrentes licitações, de inexigibilidades e mesmo de dispensas. Existem também muitos questionamentos sobre a variação do conteúdo, ou de por que cada contratação gera a necessidade de uma justificativa específica de modo que todo o trabalho já realizado para uma determinada contratação não pode ser “aproveitado” para instruir outro processo.
Infelizmente para aqueles que se queixam das dificuldades deste trabalho, a resposta é que, de fato, não há um conteúdo de “justificativa-padrão” que possa ser simplesmente replicado de uma contratação para a outra. A boa notícia, porém, é que há uma espécie de raciocínio, uma “trilha” que deve ser percorrida para se obter um conteúdo minimamente suficiente para justificar uma contratação e que esse raciocínio, felizmente, pode-se dizer que segue um padrão de repetição.
Analisando processos de contratação, é possível perceber que há informações que não podem ser omitidas independente do objeto ou do formato da contratação. E, a partir desta constatação, é que se chega a outra de que, via de regra, as justificativas para contratações, independente do documento por meio da qual se encontrem formalizadas demandam do gestor exercitar um processo mental, mais ou menos, padronizado.
Exemplificativamente, menciona-se que esse raciocínio que aqui se denomina padrão pode ser percebido em diversos normativos que regem as contratações públicas, a exemplo das recentes Instrução Normativa 40, que dispôs sobre a elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares – ETP e do art. 7º da Instrução Normativa 73 que dispôs sobre o procedimento para a realização de pesquisa de preços, ambas aplicáveis ao âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.
Para compor o conteúdo de um ETP ou para atender ao art. 7º da IN 73 quanto às justificativas nas inexigibilidades, questões como a necessidade a ser atendida com a contratação, qual objeto apto a suprir tal necessidade, quanto custa esta solução, entre outras, são informações essenciais e cuja demonstração clara pelo gestor será essencial, independentemente da natureza do objeto a ser contratado.
Assim, o objetivo deste texto é apresentar algumas considerações sobre as informações essenciais para o processo de justificativa de uma contratação bem como quanto aspectos mais relevantes quanto a cada uma destas informações. Para os fins desta análise, deve-se conferir um sentido mais amplo ao termo justificativa, devendo ser considerada como justificativa a motivação da contratação, ou seja, a exposição dos fatos e fundamentos jurídicos que autorizam sua celebração[1].
Sem nenhuma pretensão de esgotar o assunto, tampouco de constituir uma doutrina sobre o tema, foram escolhidos os seguintes aspectos a serem abordados: a) necessidade da contratação, b) objeto a ser contratado, c) identificação de fornecedores/prestadores, d) panorama de preços.
No que se refere à necessidade, deve restar claro qual necessidade da Administração contratante será atendida pela contratação que se pretende celebrar. Em um exemplo singelo, se há a pretensão de se contratar um professor, cabível demonstrar que há aulas a serem ministradas e que por seu próprio corpo técnico a futura contratante não dispõe de condições de fazê-lo.
O elemento de impossibilidade de atendimento por seus próprios meios merece ser referido como forma de robustecer a demonstração de necessidade da contratação uma vez que se a contratante puder executar o que pretende contratar, pode ser questionada a efetiva existência de necessidade capaz de autorizar a realização da contratação.
Outro aspecto relevante da necessidade e que talvez se mostre menos óbvio é que esta necessidade deve ter alinhamento com interesse público ou com finalidade institucional de quem contrata. Assim, será legítima a contratação de um professor não apenas considerando que há a necessidade de que uma aula seja ministrada, mas desde que esta aula seja necessária para que a entidade atenda a um interesse público ou finalidade institucional.
Caracterizada a necessidade, a impossibilidade de atendimento por sua própria estrutura e, ainda, o alinhamento desta necessidade ao interesse público, o passo seguinte é identificar qual objeto, se contratado, é capaz de atendê-la. Nesse momento, a ação prioritária a ser adotada é uma verificação junto ao mercado objetivando identificar qual a melhor opção disponível.
Devem ser consideradas especificações, quantidades, prazos de entrega e de garantia de possíveis soluções disponíveis no mercado e a partir da análise desse conjunto deve ser escolhida a solução capaz de atender à necessidade de forma eficiente, ponderando-se desde logo o estabelecimento de uma boa relação custo benefício.
Além do objeto, a pesquisa de mercado permite identificar possíveis fornecedores do objeto bem como constatar que se trata de um objeto para o qual não há pluralidade de fornecedores aptos a fornecer a solução escolhida como a mais adequada. A multiplicidade de possíveis fornecedores/prestadores, como regra, conduzirá à realização de licitação, enquanto que a existência de um único fornecedor ou prestador identificado autorizará uma contratação direta.
Identificado o objeto apto a atender à necessidade bem como o universo de possíveis fornecedores ou prestadores, cabível identificar o preço ou da faixa de preço dentro da qual ele está sendo comercializado. A obtenção desse panorama de preços tem dois objetivos principais a saber: a) verificar se a entidade dispõe de recursos financeiros para custear a contratação e b) permitir uma análise preliminar quanto à eficiência da contratação mediante uma ponderação entre custo d o objeto a ser contratado e o benefício a ser auferido pela entidade mediante a contratação.
As diretrizes mais elementares quanto aos preços referem-se à a) diversidade de fontes a ser utilizada e b) análise crítica dos valores obtidos.
Quanto à pluralidade das fontes, já é antiga a orientação do Tribunal de Contas da União quanto à famosa “cesta de preços”, ou seja, a necessidade de obtenção de preços oriundos de diversas fontes[2] entre as quais contratos anteriores, similares e recentes celebrados pela Administração, valores registrados em atas de SRP, consulta a sites eletrônicos especializados ou de domínio amplo, exceto os de intermediação, além, é claro, da consulta a possíveis fornecedores[3].
Uma vez efetivada a coleta de preços, necessário que estes sejam avaliados criticamente pelo gestor, para que sejam identificadas eventuais discrepâncias entre os valores coletados e entre estes os preços efetivamente praticados pelo mercado a fim de que sejam extirpados os preços excessivos ou manifestamente inexequíveis, remanescendo um panorama real da prática de mercado para o objeto pesquisado.
Postas estas considerações pondera-se, por fim, que a existência de normativos que orientam ou definem um conteúdo de justificativa para contratações públicas, não torna desnecessária a compreensão pelo gestor do raciocínio que subjaz essas normas. Pelo contrário, é importante para que com mais facilidade possa dar cumprimento aos comandos legais.
De igual modo, a compreensão dos elementos essenciais à justificativa, bem como a ótica segundo a qual devem ser analisados, também pode auxiliar o gestor de entidades do Sistema S, uma vez que estas não dispõem de normatização específica quanto ao conteúdo de suas justificativas, porém, a exemplo da Administração, também estão obrigadas a justificar suas contratações[4].
[1] Acerca do conceito de motivação, cita-se, por todos, Hely Lopes Meirelles que assim a define: “Denomina-se motivação a exposição ou indicação por escrito dos fatos e fundamentos jurídicos do ato (cf.art.50, caput, da Lei 9.784/99). (…) Hoje, em face da ampliação do princípio do acesso ao Judiciário (CF, art. 5º, XXXV), conjugado com o da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput), a motivação é, em regra, obrigatória.” (Direito Administrativo Brasileiro, 32ª ed. São Paulo, Malheiros, 2006, p. 153).
[2] Exemplo disso, o Acórdão 2637/2015-Plenário, Rel. Bruno Dantas.
[3] No âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, os procedimentos para realização de pesquisa de preços, inclusive as fontes e a ordem segundo a qual devem ser utilizadas encontram-se normatizados pela IN 73, de 5 de agosto de 2020.
[4] Nesse sentido, veja-se o exemplo do art. 11 do Regulamento de Licitações e Contratos do SESI/SENAI: “Art. 11. As dispensas, salvo os casos previstos nos incisos I e II do art. 9º, ou as situações de inexigibilidade, serão circunstanciadamente justificadas pelo órgão responsável, inclusive quanto ao preço e ratificadas pela autoridade competente.”