Caríssimos amigos e amigas do Ementário, diversos são os desafios impostos para quem vai assumir atualmente um cargo de chefia no setor público brasileiro. Questões como pressões da chefia, qualidade de vida, gestão de resistências da equipe, escassez de recursos e necessidade de entrega de resultados.
Como lidar com essas dúvidas e ainda fazer um ótimo trabalho de liderança nos 100 primeiros dias em nova gestão? Para tratar dessa e outras perguntas, convidamos o renomado professor e consultor Henrique Santana e a professora e Assessora especial no Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Bruna Camozzato, para uma entrevista. O planejamento do trabalho foi feito pelo estimado amigo Eduardo Paracêncio.
Bruna Camozzato – Qual é a primeira ação estratégica que um novo gestor público deve tomar ao assumir um cargo de liderança?
Henrique Santana – A primeira ação consiste em mapear a situação atual da sua área e equipe e permitir que eles te conheçam. E isso consiste em – pelo menos – cinco movimentos, que podem ser realizados em qualquer sequência:
1. Conhecer a expectativa da sua liderança sobre o seu trabalho e os resultados da área;
2. Conversar individualmente cada membro da sua equipe e como cada pessoa enxergar o trabalho que realiza, seus pontos fortes, a desenvolver, o que lhe motiva, como se sente no dia a dia e o que é significativo na sua vida. Nesta conversa você também compartilha os mesmos tópicos sobre você;
3. Conversar com seus pares, clientes internos e externos e ouvir como enxergam a sua área;
4. Conhecer as atuais entregas, metas e o andamento de cada uma.
5. Realizar uma reunião coletiva com a sua equipe para apresentar o seu estilo de gestão, o que acredita, o que não acredita, o que espera da equipe e alinhar como enxerga a autonomia, feedback e outros tópicos importantes.
É a partir destes cinco movimentos que as primeiras decisões são tomadas.
Posso compartilhar minhas experiências quando assumo um cargo de gestão na área de gestão de pessoas:
A) Fui conversar com o meu gestor e fui informado que meu grande desafio era implementar uma cultura com foco em resultado;
B) Ao conversar com os membros da minha equipe descobri que havia membros que não gostavam do que faziam, outros que amava o que fazia. E também entendi quais momentos de vida estava cada pessoa: quem seria pai ou mãe, quem tinha acabado de perder um parente etc.
C) Depois marquei conversas com os meus pares e descobri que a área de gestão de pessoas era vista como uma área burocrática e que meus pares nem contavam com o seu apoio;
D) Nas conversas individuais pedi para prepararem uma apresentação para mim com as suas principais entregas e o status de cada meta. Pedi para preparar esta apresentação para a reunião coletiva que irei apresentar meu estilo de gestão.
E) Fiz a reunião coletiva e a dividi em 3 momentos: no primeiro momento apresentei o meu estilo de gestão e falei da importância da colaboração e autonomia para mim; já no segundo momento as pessoas apresentaram suas entregas e o status e no terceiro momento eu pedi para cada pessoa falar em qual projeto gostaria de trabalhar.
BC – No contexto do setor público, quais são os principais desafios na gestão de equipes e como superá-los?
HS – Atualmente os principais desafios que enxergo são:
Construir uma coesão da equipe: criar um propósito comum que conecte as pessoas e crie um sentido para o que fazem no dia a dia;
Construir um ambiente de segurança psicológica: criar um ambiente seguro para a equipe se relacionar, dar feedbacks francos, errar e aprender e falar o que pensa e sente. Aqui entra a convivência segura entre gerações e a diversidade e inclusão;
Construir um ambiente colaborativo: estimular que as pessoas trabalhem juntas, inclusive possam ter conversas difíceis para gerar o melhor resultado.
Mas eu vejo que existe um desafio da liderança que antecede estes: se tornar dono(a) da sua agenda e conseguir dedicar tempo para trabalhar a gestão de equipe.
BC – De que forma um gestor público pode lidar com a resistência a mudanças e fomentar uma cultura de inovação?
HS – A resistência à mudança ocorre porque tendemos a enxergar qualquer mudança como uma perda. Irei perder relevância porque o que sei fazer vai deixar de existir, por exemplo. Irei ganhar mais trabalho ou não me sinto preparado para trabalhar desta nova forma, dentre outras possibilidades.
Logo, pensando na resistência a mudança é importante que o gestor dialogue com a equipe e explicite a real necessidade da mudança, os seus ganhos e converse abertamente sobre os medos existentes.
Ao pensar na inovação, é importante alinhar também como a equipe vai lidar com os erros. E agir de forma coerente com o que foi combinado.
Uma forma de trabalhar a prevenção de resistências é ter uma equipe diversa. Quanto mais diversa for sua equipe, menos resistência você tende a encontrar.
Um exemplo pode ser quando implementei a gestão de desempenho. As pessoas da organização tinham receio de serem controladas. Logo, criamos um momento de diálogo com todas as áreas das organizações para explicitar que o programa tinha relação com a mudança de cultura da organização e com o objetivo de empoderar (ganho) os colaboradores para gerir o seu desempenho e – por exemplo – propor um aumento salarial.
BC – Quais competências específicas são essenciais para a liderança eficaz no setor público e como desenvolvê-las?
HS – A Enap fez um excelente trabalho para mapear quais são as competências essenciais da liderança no setor público. São elas:
a) Autoconhecimento e desenvolvimento pessoal: afinal tudo começo por você;
b) Engajamento de pessoas e equipes: o quanto a liderança consegue colocar a equipe em movimento para alcançar os resultados;
c) Coordenação e colaboração de rede: é essencial no serviço público você criar relações entre pares e entre os diferentes órgãos;
d) Geração de valor para o usuário: dialogar com o cidadão e ter o foco no valor entregue para o cidadão;
e) Gestão para resultados: saber criar metas, construir processos de monitoramento, levar o time na direção dos resultados;
f) Gestão de crises: conseguir responder rapidamente e aprender com as crises;
g) Visão de futuro: construir uma visão de futuro que unifica e gera sentido;
h) Comunicação Estratégica: saber comunicar a visão de futuro e realizar as comunicações e articulações necessárias;
i) Inovação e mudança: criar uma prática de inovação e melhoria contínua.
Todas as competências se articulam e relacionam uma com a outra. Outro ponto importante é que a liderança não necessita ter todas, mas sim compor um time que contenha essas competências.
Por fim, eu falaria para descobrir quais são suas competências fortes, aquela que domina, e focaria em desenvolvê-las mais e mais ao invés de focar em aprender as que não tem.
BC – Como equilibrar o cumprimento das rigorosas regulamentações com a necessidade de inovação e melhoria contínua no setor público?
HS – Sempre digo que devemos ter uma prática de inovação. E como toda prática devemos começar pequeno, um passo de cada vez, mas que seja contínuo e consistente.
Então, escolha um – somente um – processo para inovar ou uma regulamentação para ser revisada e dedique 30 minutos a 1 hora por dia para trabalhar nisto. O ideal seria ter uma equipe que pudesse fazer uma imersão neste processo como algumas organizações privadas fazem, mas esta realidade ainda está distante da maioria das equipes no serviço público.
Ah, e comece por um processo que será “fácil” provocar a sua mudança, para gerar a sensação que é possível inovar. Depois você começa a pensar em mais processos e tempo para a inovação.
E paralelamente identifique com a equipe aquelas regulamentações que devem ser seguidas rigorosamente e que estarão fora do radar da inovação.
BC – Que estratégias um novo gestor pode adotar para construir e manter relações produtivas com seus superiores, colegas e outras partes interessadas?
HS – Essa pergunta é excelente, pois liderar também é construir relações com seus superiores, pares e partes interessadas. Eu costumo falar que o relacionamento com gestor gera institucionalização e com pares gera velocidade.
Minha sugestão é você realizar conversas regulares – de preferência semanal – com seu gestor para apresentar os resultados e novos projetos da sua área. Lembre-se de apresentar aqueles resultados que são de interesse do gestor, seja porque gera visibilidade ou por acreditar naquele objetivo e resultado.
Para os pares, identifique aquelas atribuições da sua área que são importantes para a realização dos seus projetos. Também crie uma rotina de conversa com seus pares – de preferência mensal ou bimestral – para falar dos projetos e ouvir feedbacks sobre a atuação da área.
BC – De que maneira a gestão de projetos no setor público difere da gestão no setor privado e como os gestores públicos podem se preparar para essa realidade?
HS – Esta é uma pergunta que ouço muito. Eu diria que no setor público a capacidade de articulação é muito mais importante do que no setor privado, embora também seja importante.
Ou seja, os gestores precisam aprender a construir relações com equipes, pares e gestores e conseguir construir uma coesão que gere uma percepção de ganha-ganha para todas as partes. E não posso esquecer das relações entre órgãos, que também são relevantes.
Outra diferença relevante – e aqui o serviço público leva vantagem – é a visualização da dor e do resultado. Quanto mais conseguimos ver a dor e o impacto positivo daquilo que fazemos, maior o engajamento e disposição para realizar. No setor privado, isto é muito mais complicado, pois às vezes o impacto é somente o lucro da companhia.
BC – Quais são os erros mais comuns que novos gestores públicos cometem e como evitá-los?
HS – O principal erro – que enxergo – é não gerar um contexto bem definido da sua gestão. Para ser mais concreto significa: não definir um propósito comum da equipe e o impacto que desejam entregar; não explicitar o seu estilo de gestão, o que valoriza e o que não valoriza (as regras do jogo da sua gestão); não criar os princípios de comportamento que orientam a equipe e conhecer os servidores individualmente, suas expectativas, pontos fortes etc.
Outro erro é comum é não relembrar a todo momento este contexto: nas decisões tomadas, nas priorizações, feedbacks. E também não intervir pessoalmente e rapidamente quando alguém da equipe não age de acordo com os princípios, o seu estilo de gestão ou prejudica o propósito construído coletivamente.
Mais três erros que vejo nos novos gestores:
– não dedicar tempo para construir relacionamento;
– não definir metas de entrega e realizar monitoramento;
– não comemorar as conquistas.
BC – Como um novo gestor pode medir seu sucesso e o impacto de sua liderança no setor público? Quais seriam os passos que o senhor recomendaria para os 100 primeiros dias de chefia de um(a) servidor(a) no setor público?
HS -Vejo duas formas de medir o sucesso: verificar o alcance das metas e o quanto seu time se sente no bem-estar com energia e disposição para fazer acontecer. Medir as metas é fácil. Já o bem-estar com a equipe pode ser percebido por meio das conversas individuais ou um formulário para a equipe.
É interessante falar dos primeiros 100 dias, pois é nesta janela que você dará o tom da sua gestão e também é o período para você iniciar as principais mudanças. Depois deste período existe mais probabilidade de você se adaptar a cultura existente.
Então, além do que já foi falado, é importante você definir as principais entregas que quer nestes 100 dias. Recomendo que sejam duas a três e uma das entregas simbolize uma mudança, algo novo que está sendo construído. E as coloque como prioridade. E comemore estas entregas. Isto irá fortalecer a lógica que a equipe é capaz de realizar mudanças e entregar.
BC – Para finalizar, o senhor poderia nos indicar alguns podcasts, artigos, vídeos e livros para quem deseja se aprofundar no assunto de liderança no setor público?
HS – Claro! Mas antes de indicar, preciso falar algo: a principal fonte de aprendizagem é você mesmo e as suas experiências. Criar a capacidade de experimentação e auto-observação é o principal meio de aprender. Os livros, artigos etc irão fortalecer. Logo, cria uma rotina de relembrar o seu dia e perguntar: o que eu fiz neste dia e funcionou? O que fiz e não funcionou? O que aprendi com isto? A partir do que eu aprendi, como farei na próxima vez?
Além disso, recomendo:
– Assinar o Havard Bussines Review e ler as edições e seus artigos. Todas as edições possuem excelentes artigos e insights;
– O livro “Liderança fora do Quadrado” do Jon Katzenbach, Zia Khan
– O livro”5 desafios da Equipe” do Patrick Lencioni
E também quero te convidar a participar do grupo de whatsapp que criei e chama liderança autoral. Neste grupo você irá receber dois áudios por semana, sendo um sobre autoconhecimento e outro sobre gestão de equipes, pares e gestores.
Este grupo é fechado, ou seja, só eu mando o áudio e uma pequena descrição. O Link para entrar é https://chat.whatsapp.com/KrFVcA7moRlEs0QOuikNed.
Henrique Santana
Atua há 20 anos como consultor e também já atuou em todas as posições do jogo: empreendedor social, empresário, ceo, gerente de gestão de pessoas, colaborador, consultor, treinador/docente e coaching de diversas organizações públicas, privada e do terceiro setor. Já treinou mais de 20.000 líderes e desenvolveu mais 10.000 equipes. Psicólogo com especialização em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e Mestre em Biologia Cultural com Humberto Maturana, pela Escuela Matriztica e Universidad Mayor do Chile e participante da 1o Formação Internacional em Facilitação e Consultoria Integral. Professor Internacional de “Diplomado en Dinámica de Grupos, Desarrollo Empresarial y Humano con Potencialización de Líderes” realizado em Santo Domingo e professor da Escola Nacional de Administração Pública, sendo curador do LideraGov e do eixo de liderança do Programa de Desenvolvimento de Liderança e do Onboarding, ambos programas institucionais da ENAP. Certificado em Segurança Psicológica, Mediação de Conflitos e Gestão da Mudança, especialista em dinâmica dos grupos pela Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos. Coach Ontológico pela Leading Group (Argentina), com formação em abordagem goetheanística pelo Proteus Initiative (África do Sul), Consultoria Sistêmica com Timan Pescnke e Coaching Hipnosistêmico com Gunther Schimidt (Metaforum) e em Consultoria Sistêmica nas Organizações (Infosyon – Alemanha). Profissional com ampla experiência na construção de processos de aprendizagem e em transformação de indivíduos, equipes e organizações. Define-se como um apaixonado por autoconhecimento e acredita em um mundo do trabalho no qual o humano estará no centro. Email: [email protected]
Bruna Koglin Camozzato
Mestre em recursos humanos e gestão do conhecimento, especialista em gestão da qualidade e educação corporativa, pedagoga empresarial, design instrucional e auditora líder em sistemas de gestão integrados (qualidade, saúde e segurança ocupacional e meio ambiente). Liderou a equipe central de gestão do desempenho e do desenvolvimento de pessoas do governo do RS, atua no planejamento e desenvolvimento de soluções estratégicas educacionais na Escola de Governo do RS. Além disso, é autora dos livros “Gestão de desempenho, indicadores e acompanhamento” – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 125 p.; il. (ISBN 978-85-7141-336-81) e “Filosofia da Educação”, 1. ed. Porto Alegre – RS: Penso/Sagah, 2018. v. 1. 222p (ISBN 978-85-9502-489-2), conteudista, docente e consultora, contribuindo para aprimorar práticas educacionais e estratégias de desenvolvimento profissional e de gestão. Email: [email protected]