Caríssima comunidade de leitores do Ementário de Gestão Pública, o acrônimo ESG parece ganhar cada dia mais relevância na agenda pública. Inúmeros são os desafios e conflitos observados nessa área, mas já podemos antever casos de sucesso na implementação da agenda que combina responsabilidades ambiental, social e governança na Administração Pública. Pensando nisso, a gestora governamental e atual Coordenadora-Geral de Inovação em Gestão na SEGES/MGI, Soraya Brandão, convidou a Assessora Especial na Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial e professora da Enap, Luíza Deusdará, para uma entrevista. Confira!
Soraya Brandão – Nos últimos anos tem crescido o interesse de empresas na adoção de práticas ESG (Environmental, Social and Governance) ou traduzindo, Ambientais, Sociais e de Governança (ASG). Apesar do seu início no mercado de investimentos, o conceito de ESG foi, ao longo dos anos, ganhando notoriedade em outros setores da economia. O ESG é uma abordagem abrangente que reconhece que o sucesso empresarial não se limita apenas a lucros financeiros, mas também ao seu impacto social e ambiental. Em 2015, o movimento ganhou ainda mais força com a Agenda 2030 da ONU e o Acordo de Paris, ambos focados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Mais recentemente, temos visto o interesse de organizações públicas de se aproximarem também da agenda ESG. Neste sentido, o que você pensa sobre o incentivo à adoção de práticas ESG em governo?
Luíza Deusdará –Toda política pública é fruto do tempo e do espaço. O governo traduz, de certa forma, os anseios da sociedade, desenhando políticas públicas, estabelecendo metas, acompanhando indicadores e entregando resultados para sociedade. Nesse sentido, a agenda ESG ganhou primazia em nosso tempo e em todo o espaço, independente de geografia específica. O setor público, assim, não pode escapar de responder à sociedade. Se, antes, havia preocupação com governança, agora é preciso sistematizar o entendimento e executar conforme as melhores práticas. Se, antes, práticas ambientais eram restritas às políticas de meio ambiente, hoje o setor público precisa, a cada novo desenho de política pública, se perguntar como a agenda ambiental integrará os objetivos e metas de suas ações. Se, antes, a limitação a agenda social permeava ações pontuais e fugazes, hoje precisa ser tratada transversalmente e de forma perene. É preciso sistematizar o que já existe, pensar novas formas de interação com a sociedade e produzir resultados palpáveis. A adoção é mandatória, necessitando de empreendedores públicos que mobilizem a alta gestão e, consequentemente, liderem as agendas das instituições para observância e execução dessas práticas.
SB – Como você traduziria o conceito ESG para aplicação no setor público?
LD – Entendo que o conceito de ESG no setor público guarda correlação com a criação de valor público, pela busca ao atendimento das demandas coletivas, de forma eficiente, com foco na geração de resultados capazes de modificar aspectos socioambientais. O ESG precisa ser considerado no âmbito das políticas públicas e no âmbito da gestão e governança institucional.
SB – Você vislumbra resistências ao uso do ESG na gestão pública? Se sim, quais as principais?
LD – Não há resistências, a priori, não do ponto de vista institucional. O que existe é, por um lado, falta de entendimento de que a agenda ESG não se trata de um capricho acadêmico e, por outro lado, ausência de lideranças capazes de impulsionar a agenda. Para ambos os problemas, a resolução passa por extenso e diligente trabalho de comunicação, treinamento, desmistificação e priorização.
SB -Na sua visão, quais são os principais desafios para a adoção de práticas ESG em organizações públicas?
LD -Entendo que temos três principais desafios. O primeiro diz respeito à desmistificação do tema. Há uma dinâmica, por vezes deletéria, de achar que, dada a dimensão ampla do assunto, devemos sempre estudar mais, estar atentos às novas teorias, aos novos livros sobre o assunto. Muito da agenda já pode ser executada. Em segundo lugar, existe o desafio dos dados. O que quero dizer com isso? O encapsulamento dos dados de governo em silos, ou em áreas específicas, e o não compartilhamento de informações, dificulta sobremaneira o avançar da agenda. Vemos isso mudar, com a iniciativa do GovBR, em nível federal, por exemplo, ou com o surgimento de painéis públicos divulgados por algumas organizações estaduais e municipais, mas ainda não é suficiente. Todos os entes nacionais e subnacionais, de todos os poderes, deveriam compartilhar, de forma aberta, estruturada e uniforme, dados, informações e práticas, que ajudem a tornar a implantação da agenda ESG em uma verdadeira agenda de País. Por fim, é necessário citar que a ausência de uma cultura de avaliação das políticas também é um grande desafio à implementação da agenda ESG. Sem avaliação, precisamos reconhecer a dificuldade de compreender os caminhos que as práticas ambientais, sociais e de governança têm tomado no Brasil.
SB – Que boas práticas ESG em governo você tem conhecimento?
LD – Há muitas iniciativas surgindo nesse momento, exatamente pela importância crescente que o tema vem ganhando. Arrisco destacar algumas que podem ser vitrines para o governo.
Pensando em práticas da porta para dentro, cito, no Executivo, a Política Integrada de Governança e Responsabilidade Socioambiental da ANS, que é, definitivamente, um marco por sistematizar a adoção do ESG pela Agência Reguladora e por ser perfeitamente replicável em uma série de outros órgãos. Já no Legislativo, vale mencionar o exemplo hands on dado pelo Senado Federal ao implementar ações positivas nos diversos aspectos da dimensão social e ambiental do ESG, que resultaram no atingimento da nota máxima no Índice de Acompanhamento da Sustentabilidade na Administração Pública (IASA), medido anualmente pelo TCU. Por fim, no Judiciário, merece atenção a postura vanguardista do STJ, que trilha o caminho da governança sustentável pelo menos desde 2008 e, atualmente, é benchmarking em logística sustentável, além de possuir atuação sólida em ações de acessibilidade e inclusão.
Em uma visão transversal, trago a criação da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que visa reunir esforços em todas as esferas de governo e na sociedade civil para internalização da Agenda 2030 no Brasil, e a proposta do TCU para inclusão de indicadores voltados ao ESG no iGG, tornando-o um instrumento importante de avaliação do avanço das instituições públicas nas dimensões social e ambiental, além da governança.
Ainda, olhando da perspectiva da formulação ou reformulação de políticas e instrumentos públicos, é importante destacar, em primeiro lugar, o Plano de Transformação Ecológica do MF, que já trouxe avanços como o impulso para discussão de Projetos de Lei no Congresso Nacional em matérias como mercado de carbono e combustíveis do futuro, a construção do arcabouço dos títulos públicos verdes, o redesenho de fundos e planos de estímulo ao desenvolvimento de setores específicos para atendimento a critérios ambientais e sociais e, agora, o desenvolvimento de uma taxonomia sustentável brasileira. O segundo destaque vai para a ENIMPACTO, lançada recentemente pelo MDIC, que busca fomentar o equilíbrio entre a busca de resultados financeiros e a promoção de soluções para problemas sociais e ambientais.
SB – Que sugestões você daria para viabilizar a integração dos aspectos ambientais e sociais na governança das instituições públicas?
LD –Priorizar é essencial. Dentro do universo que o ESG se tornou hoje é preciso definir o que realmente faz parte da agenda para, então, entender o que se relaciona com as competências e processos da organização. É nesse contexto que a matriz de materialidade ESG pode ser uma ferramenta importante de integração das ações sociais e ambientais conduzidas pela organização com os aspectos da estratégia institucional, passando, inclusive pelos instrumentos legais de planejamento e prestação de contas da Administração, como o PPA e os relatórios de gestão anuais, tornando mais orgânica a adoção da agenda e evitando a banalização desses temas.
SB – Sabemos que o Judiciário saiu na frente nesta pauta de governança sustentável, especialmente nos aspectos relativos à logística e compras públicas. Que conselhos você daria para um órgão público que está querendo desenvolver uma política ESG? O que é essencial para começar?
LD – Para começar, instrua, qualifique e motive o servidor. Depois, acredito que usar ferramentas digitais para impulsionar uso de dados, como foco em melhoria de processos de governança interna seja um segundo passo. Por fim, um processo de reflexão, que vai da alta gestão e perpassa todos os níveis da hierarquia pública, sobre o impacto das ações de cada órgão na agenda ambiental e social, olhando para dentro da organização, mas também para o que promove e reflete a partir de suas ações para fora. É importante compreender que o setor público necessita adequar sua governança interna para endereçar a agenda ESG, mas também atuar em sua competência regulatória para dar resposta às mudanças que dela são advindas.
Luíza Deusdará – Servidora pública federal desde 2010, especialista em gestão, governança e setor público, atualmente ocupa o cargo de Assessora Especial da Presidência na Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Entre 2019 e 2022 ocupou a posição de Subsecretária de Supervisão e Controle da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia. No então Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, atuou na assessoria técnica ao Secretário-Executivo; compôs a equipe de dedicação exclusiva ao Programa Portal Único de Comércio Exterior na Secretaria de Comércio Exterior; e coordenou os processos de supervisão ministerial de entidades da Pasta, ocupando o cargo de Coordenadora-Geral de Articulação Institucional na Subsecretaria de Informação e Gestão Estratégica da Secretaria Executiva. Email: [email protected]
Soraya Brandão – Atualmente no Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, onde lidera as equipes de Consultoria Executiva em Gestão Estratégica, Qualidade de Vida no Trabalho, Simplificação Administrativa, Infraestrutura e ASG/ESG (ambiental, social e governança sustentável). Mestre em Administração, tendo sido uma das pioneiras no estudo sobre indutores e barreiras à inovação em gestão pública. Bacharel em Comunicação, Publicidade e Propaganda e pós-graduada em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Gestão de Projetos e Marketing. Servidora pública da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) do Governo Federal desde 2006. Email: [email protected]