EGP Entrevista: Liderança com Grasielle Abrantes

Caríssimos!

A liderança no setor público tem sido tema de diversos estudos, eventos e trabalhos acadêmicos, quer seja por encerrar a arte ou a técnica de lidar com pessoas, quer seja por ser um dos mecanismos que integram o próprio conceito de governança pública.

Para falar sobre esse e outros temas, trazemos uma entrevista com professora e atual Gerente de Pessoas da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Grasielle de Oliveira Abrantes. As perguntas foram feitas por Claudia Gonçalves Mancebo, Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União.

Cláudia Mancebo – Recentemente eu assisti a um TED denominado” A crise da liderança e um novo caminho” que a Halla Tómasdóttir, empresária e ex-candidata à presidência da Islândia, aborda a “Síndrome do Húbris”, também chamada de “doença do poder” ou “crise da presunção”, que corresponde a um padrão de comportamento que é provocado pela exposição ao poder. Ou seja, quando as pessoas chegam ao poder, elas são acometidas por arroubos autoritários, desequilíbrios emocionais, arrogância exagerada, fazendo com que esses líderes se achem acima de tudo e de todos e superiores aos seus colaboradores. Você identifica esse perfil nas organizações públicas? Como a organização pode atuar para identificar esse perfil e como tratar esses líderes?

Grasielle Abrantes – Excelente forma de iniciar esta entrevista: se vamos falar de liderança, por que não falarmos dos desvios da liderança?! E essa pergunta nos obriga a enxergar o que pode não dar certo. Se eu vejo esse perfil nas organizações públicas? Sim, eu vejo. Todavia, saliento que não é a caricatura geral de gestores. Trago uma visão empírica obtida pelo atendimento a líderes no serviço público, pelo meu tempo de prática de análise de perfil comportamental. De um lado, temos gestores despreparados, “destreinados” e que ainda não utilizam ferramentas básicas e “úteis” de gestão de pessoas. De outra lado, vejo escolas de governo e demais áreas de capacitação fazendo um esforço esdrúxulo para levar esses líderes para o ambiente de aprendizagem com temas como comunicação assertiva, gestão de resultados, gestão do tempo, ética e sustentabilidade. Se observarmos os cursos ofertados eles têm como pano de fundo promover um ambiente respeitoso, de bem-estar, que leve as pessoas a bons resultados para a instituição e para si mesmas. Tive oportunidade de estar com vários desses gestores em órgãos dos três poderes e vejo que esse esforço não tem sido em vão. E então como identificar e tratar desequilíbrios emocionais, arroubos autoritários, arrogância exagerada? Temos que ensinar e cobrar. E a cobrança ocorre na própria cultura da organização, quanto mais se fala em ética e bem-estar, menos espaço há para desvios dessa natureza e no menor deslize haverá um código conhecido na instituição para relembrar a conduta desejada. E o melhor, essa ação não é exclusiva top-down, as áreas técnicas têm competência para isso, as comissões e comitês têm espaço para isso, colaboradores engajados têm oportunidade para isso. São programas e também ações pontuais diárias que moldam as relações, por medidas preventivas e conscientizadoras, e em menor grau coercitivas, para evitar que anos de poder desencadeiem uma síndrome como esta. Ademais, saliento, o fato de eu perceber que não é comum à boa parte dos gestores esse perfil, importa dizer que basta uma única figura relevante para desequilibrar todo o sistema de ambiente de trabalho. Por isso, a organização deve agir preventivamente.

CM – Atualmente nos deparamos com problemas complexos e de difícil resolução. Cada vez mais precisamos buscar ambiente colaborativos, onde os setores atuam em conjunto dentro da organização, as organizações públicas fazem parceria com outras organizações públicas e privadas e com a sociedade de uma forma geral. Problemas complexos não possuem soluções simples e individualizadas. Acredito, então, que as principais competências requeridas pelos líderes são coragem e humildade. Humildade para entender que sozinho ele não faz nada e coragem para buscar soluções inovadoras dentro e fora do seu setor e da sua organização. Pergunto: é possível desenvolver essas competências? Como a liderança pública brasileira está nesses quesitos? Você conseguiria trazer exemplos positivos e negativos mostrando o exercício dessas competências sozinhas ou em conjunto?

GA – Podemos definir coragem e humildade como competências ou podemos então defini-las como atributos de uma competência. Particularmente, prefiro utilizar o segundo conceito. Enquanto atributo entendo que ao colocarmos em prática uma competência – ação que leva a um resultado – temos que considerar sob qual “condição” e “critério” desejamos, para que não seja a qualquer custo. E por isso vejo a coragem e humildade como bons atributos nas ações de liderança. Como especialista em desenvolvimento humano, acredito na capacidade de treinar e adquirir novos comportamentos. A questão é: está na ordem do dia? É prioridade? O contexto pandêmico que ora vivenciamos é um bom retrato desse exercício. Os gestores brasileiros tiveram que dar alguns passos para trás e pedir apoio para seguir em frente, tiveram que ouvir o inaudível e enxergar o que estava invisível diante de um ambiente caótico para liderar pessoas e entregas. Remodelaram a comunicação, a divisão do tempo entre família e trabalho para seus colaboradores, deram assistência com mobiliário para o trabalho em casa, foram solidários diante dos medos. Todavia foram também audaciosos em manter agendas com decisões rápidas, de continuar tentando algo novo. Aquele líder que se manteve bem reconhecido pela sua equipe até agora certamente utilizou da humildade e da coragem para chegar até aqui. Acompanhei alguns gestores e posso dizer isso. Teremos lições aprendidas deste momento, adquirimos repertório para perceber que sozinhos não iremos muito longe, passada a pandemia, em breve eu espero, teremos agendas locais e globais que exigirão esse novo comportamento desenvolvido.

CM – A pandemia da Covid-19 gerou uma reviravolta nos ambientes corporativos públicos e privados. Da noite para o dia fomos forçosamente para o teletrabalho. Organizações e setores dentro da própria organização que nunca se imaginaram trabalhando à distância precisaram se reinventar e se adaptar à nova realidade. Paradigmas e preconceitos foram quebrados e os colaboradores vislumbraram e vivenciaram ganhos com a flexibilidade de poder trabalhar em casa, muito embora estivéssemos vivendo momentos críticos de saúde e de instabilidade emocional. E agora? Como será o pós-pandemia? Votaremos ao que era antes? E a pergunta de um milhão de dólares: é possível manter uma cultura forte com o trabalho à distância?

GA – Sim, é possível manter uma cultura forte com o trabalho à distância! E para isso novas ferramentas estão disponíveis para serem implementadas. Os gestores que estão dando atenção à cultura terão de experimentar mais de uma metodologia e tecnologia porque não há uma sistematização única, exclusiva e completa disponível no mercado. Estamos todos em busca ainda. Por isso, para quem é líder e está em um ambiente à distância a dica é: não pare. Continue a estudar, a pesquisar, use todo seu repertório adquirido até aqui e separe um pouco mais do seu tempo dedicado a ouvir o que a sua equipe tem a dizer. Modele sua gestão dentro da realidade que é só sua e poderá colher bons frutos. E lembre-se, nada voltará como era antes. As pessoas descobriram o valor do tempo livre, o prazer do convívio doméstico, da liberdade de organização do horário, eliminaram da rotina e dos gastos aquelas coisas que perderam o valor para si, a simplicidade reacendeu e a vontade de viver também. Isso não tem preço para elas, mas terá um preço para as organizações.

CM – A saúde mental do colaborador tem estado na agenda das organizações e de seus líderes. Entretanto, sabemos das dificuldades que o gestor enfrenta ao se deparar com esse tema tão complexo e que ainda envolve tantos preconceitos. Como a organização pode apoiar o gestor para que ele não cometa falhas ao abordar esse assunto com seu liderado? Como identificar essas situações e conseguir diferenciá-las das situações em que o colaborador usa isso como desculpa para uma baixa produtividade?

GA – Tenha um setor preparado para orientar o gestor. Saúde mental sempre existiu enquanto tema nas organizações e agora está mais difundido, portanto, os colaboradores compreendem mais e esperam mais de seus superiores. A área de gestão de pessoas tem que se perceber nesse contexto da saúde mental e precisa de espaço para isso. Se preciso for, busque uma agenda para falar do tema com a alta gestão e vá permeando toda a estrutura organizacional. Utilize os canais escritos disponíveis para sensibilizar, gere indicadores e proponha ações simples. Saúde mental e baixa produtividade têm relação direta. Somente um especialista da saúde poderá diagnosticar o estado de saúde de um colaborador. A nós, gestores, caberá gerar uma relação de confiança e de respeito, na qual contratualizamos resultados. Se os resultados não estão bons e o colaborador se queixa de não estar bem, a atuação conjunta com a área de pessoal e um diagnóstico adequado são necessários.

CM – Pesquisas indicam que quanto mais diversidade houver nos postos gerenciais, melhores resultados as empresas apresentarão. No caso do gênero, você acredita que as organizações precisam impor políticas afirmativas, indicando um percentual obrigatório de mulheres nos cargos de liderança? Se não, como buscar essa igualdade de gênero?

GA – De fato, se queremos inovações e soluções disruptivas, as equipes heterogêneas são mais ricas para o processo, afinal, trazem vivências e experiências distintas que somam no modo de agir, de pensar e de criar. Acredito na política afirmativa como uma das linhas de se propor a diversidade nas organizações, mas não a única forma de se obter isso. A diversidade além de contribuir com resultados diretos da organização também permite que cada colaborador se veja representado e com perspectivas na carreira. Logo, qual instituição iria querer perder um talento? Isso por si só já poderia ser o estímulo para não enrijecer o padrão de liderança. O melhor caminho que vejo para buscar a igualdade de gênero é o conhecimento. Veja, em poucas palavras já trouxemos elementos de convencimento, e se agregarmos a isso números, estatísticas, modelos de organização de sucesso? Por vezes uma nova política não surge quando é assinada ou publicada, veja que muito antes ela se fez presente em pequenas induções de aprendizagem, em um evento despretensioso, em uma iniciativa setorial, ou em um treinamento de referência. O documento oficial pode apenas constatar que a mudança de fato ocorreu e assim nos vemos como indivíduos mais empoderados para gerar a realidade que almejamos em uma gestão horizontal nas organizações.

CM – Afinal de contas, por que os gestores falham?

GA – Olha.. com essa pergunta poderíamos finalizar: porque todos somos humanos! Mas sei que essa pergunta quer muito mais do que isso enquanto resposta. A permanência na falha é uma das cegueiras de quem está a serviço da liderança, é dispor de um erro e se manter ad aeternum nele. Algo não vai bem e continuamos com aquele erro. Queremos novos resultados, mas não eliminamos um antigo hábito ruim. Por quê? Pela ausência do autoconhecimento. O líder consciente de si sabe de seus pontos fortes e sabe que possui os pontos fracos e não tem apego a eles. Muito pelo contrário, os líderes que desenvolvem o autoconhecimento, a busca constante de si, permitem que o outro lhe diga algo. Esse líder permanece aberto para receber um feedback e não retruca aquilo que lhe foi dito e, após, reflete durante dias, internaliza e busca ajuda para sanar. Esse é o líder que não insiste nas mesmas falhas. Ainda bem que temos adeptos ao autoconhecimento, que buscam análise de perfil comportamental, meditação, terapia, coaching, mentoring, dentre outras frentes para se deparar consigo mesmo e ter a coragem de se tornar uma pessoa melhor, porque a liderança não é uma habilidade do “fazer” ela é o próprio “ser” humano.

 

 

Grasielle de Oliveira Abrantes é especialista em gestão pública pela FGV, servidora federal da Advocacia-Geral da União e  atualmente ocupa o cargo de Gerente de Pessoas da Empresa de Planejamento e Logística. Instrutora da Escola Nacional de Administração Pública – Enap- e da Escola da Advocacia-Geral da União – EAGU, em temas como liderança, gestão por competências e gestão estratégica. É Coach e Analista de Perfil Comportamental pela Florida Christian University, palestrante autorizada dos livros best seller “Poder e Autoperformance”, “Decifre e Influencie Pessoas”, “O Poder da Ação”, “Foco na Prática” e “Autorresponsabilidade”.

 

Claudia Gonçalves Mancebo é Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU) desde 2004. Atualmente atua na Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado. Foi Secretária-Geral de Administração do TCU de janeiro a março de 2021. Exerceu o cargo de Secretária de Gestão de Pessoas do TCU por quatro anos, nos biênios 2013/2014 e 2019/2020. No TCU já ocupou os cargos de Chefe da Assessoria de Cerimonial e Relações Institucionais, Chefe do Gabinete da Corregedoria e Chefe da Assessoria da Ouvidoria. Claudia exerce cargos públicos desde 1993, tendo atuado no Banco do Brasil, no Superior Tribunal de Justiça e na Controladoria-Geral da União. Claudia é formada em Ciência Política pela Universidade de Brasília e pós-graduada em Auditoria do Setor Público pela Escola Superior do Tribunal de Contas da União