Caríssimos leitores!
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica tem apresentado um notável trabalho em termos de gestão de pessoas nos últimos meses, tendo figurado, por dois anos seguidos, na relação de lugares incríveis para trabalhar no Brasil. Para falar sobre avaliação de competências gerenciais, feedback, avaliação de altos dirigentes e liderança em teletrabalho, o nosso prezado entrevistador Eduardo Paracêncio convidou a Diretora de Administração e Planejamento do Cade, Mariana Dalcanale Rosa, para uma entrevista. Confiram!
Eduardo Paracêncio – Quais os principais objetivos do projeto de Avaliação de Competências Gerenciais do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)?
Mariana Rosa – O projeto tem como objetivo fomentar a cultura de aprendizagem, autoconhecimento e desenvolvimento dos ocupantes de cargos de alta direção do Cade (DAS 4 e superiores), gerando um efeito em cadeia positivo para o desenvolvimento das equipes e da organização, como um todo.
O curioso é que comumente partimos de uma premissa de que as pessoas são avessas a processos de avaliação, mas essa foi uma iniciativa dos ocupantes de DAS 4 e 5 do Cade. Em 2019, a Seges/ME havia lançado o mapeamento das 20 competências dos cargos de alta direção e em conversas informais surgiu a questão: como saber se estamos atendendo a essas expectativas? Quais são os nossos pontos fortes e aqueles que precisamos desenvolver?
A partir desse desejo de obter insumos para nosso próprio desenvolvimento, construímos um sistema que permite registrar a autoavaliação e as avaliações feitas por outros atores que se relacionam com cada avaliado (como chefia, subordinados e pares). A partir desses registros, a nossa área de gestão de pessoas atua numa verdadeira consultoria interna, realizando um encontro individual com cada avaliado para dar uma devolutiva completamente personalizada e que qualifica os resultados brutos do processo avaliativo, o aprendizado e o incremento da performance. Como resultado das avaliações, construímos os planos de ação individuais que subsidiam o refinamento das competências gerenciais.
Por estar completamente desvinculada de punições (perda de cargo, remuneração ou outras), ser uma ação de participação voluntária e na qual é assegurado o sigilo, as informações coletadas são extremamente ricas e aderentes ao objetivo final do projeto.
Vale lembrar que, recentemente, houve uma revisão dessas competências e hoje são 9 as essenciais para as lideranças do setor público brasileiro. Assim, nós adaptamos o projeto para os próximos ciclos de avaliação.
EP – Qual a importância do feedback no setor público?
MR – Sempre encarei o feedback como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento de qualquer profissional, tanto no setor público como no setor privado.
O feedback (combinado com o feedforward) é uma via de mão dupla, na qual gestores e servidores têm a oportunidade de dialogar sobre a performance, promover mudanças e olhar para o futuro. Quando bem feito, é uma prática transformadora para as pessoas envolvidas, que potencializa o que as pessoas fazem de melhor e corrige rumos, gerando aprendizado e evolução, aumentando o nível de confiança e engajamento.
Recentemente, pude constatar o poder do feedback. No ano passado, participamos de pesquisa promovida pela FIA/UOL que, por meio da avaliação de diversos critérios, premia as melhores organizações para se trabalhar. O Cade foi o único órgão público a figurar entre os 100 Lugares Incríveis para Trabalhar e, analisando os dados da pesquisa, percebemos o peso do feedback na forma como o colaborador avalia a organização onde trabalha. Pessoas que disseram receber feedback têm uma visão muito mais positiva em relação a todos os critérios avaliados que afetam o clima organizacional – e sabemos que o clima afeta diretamente os resultados organizacionais.
Acredito que, além de instrumentalizar as lideranças para a capacidade de dar e receber feedback, precisamos incentivar essa cultura no setor público.
EP – Na sua visão, o alto dirigente no setor público deveria ser avaliado como os demais servidores?
MR – Sim e não. Explico: sim, acredito que altos dirigentes devem ser avaliados, mas não creio que da mesma forma e com os mesmos instrumentos como avaliamos os demais servidores.
Todos ouvimos críticas sobre as avaliações de desempenho tradicionais das carreiras. Se por um lado todos concordamos sobre a necessidade de se avaliar o desempenho dos servidores públicos, por outro lado ainda não conseguimos criar um mecanismo efetivo, que valorize a alta performance e que forneça insumos para uma política de consequências em caso de insuficiência de desempenho. De todo modo, o ponto central dessas avaliações são as posturas, os comportamentos e as entregas do indivíduo.
Quando você está numa posição de liderança, você tem de gerar resultado por meio do trabalho das outras pessoas. E quando você está numa posição de alta direção, você é um líder de líderes, ou seja, você tem de ser capaz de orientar, apoiar e inspirar essas lideranças para que eles possam gerar os resultados por meio do trabalho dos membros das suas equipes. Assim, o desempenho do alto dirigente se confunde com o desempenho da própria organização, de certo modo. Por isso, creio que processos de accountability são essenciais para avaliação de altos dirigentes.
Quero ressaltar que as avaliações das competências de liderança que realizamos no Cade, como mencionado anteriormente, não são focadas em desempenho, mas sim em aprendizado, sem qualquer política de consequência. Desse modo, são objetivos e métodos totalmente distintos das avaliações dos servidores.
EP – Como tem sido o desafio de gerenciar e liderar equipes em teletrabalho?
MR – A experiência piloto de teletrabalho iniciou no Cade em 2017 e chegou a contemplar 10% da força de trabalho em 2019. Com a pandemia de Covid-19, 90% dos nossos colaboradores passaram a fazer trabalho remoto em alguma medida. Precisamos ter em mente que o teletrabalho em tempos de pandemia é muito diferente do teletrabalho que tínhamos antes em diversos aspectos.
Não optamos pelo regime de teletrabalho nessas proporções, não nos planejamos com antecedência, não organizamos a rotina das nossas famílias de acordo com nossas escolhas. O isolamento social trouxe demandas e sobrecarga também para a vida pessoal – o que, inevitavelmente, tem impactos no trabalho.
Liderar nesse contexto requer adaptação, sensibilidade e criatividade. Ao mesmo tempo em que a pandemia nos forçou a desenvolver novas habilidades, refletir sobre o que fazemos e como fazemos, também aflorou a nossa humanidade.
Hoje, todas as pessoas que trabalham comigo conhecem os meus filhos, que de vez em quando fazem uma participação especial em alguma reunião. Eu faço questão de deixar que eles apareçam, para que minha equipe veja e saiba que eu também passo pelas dificuldades que eles passam de equilibrar os diferentes papéis nesse momento em que o nosso trabalho invadiu a nossa casa, e a nossa casa entrou no nosso trabalho. E eu também agora conheço os filhos, os pets e a realidade de cada uma das pessoas com quem trabalho.
Pensando em teletrabalho desconectado do contexto da pandemia, acredito que o nosso principal desafio seja manter a identidade organizacional, o senso de pertencimento e engajamento do time. Comunicação, alinhamento e mobilização de pessoas tem sido uma preocupação constante para mim e tem tomado muito mais tempo e energia do que anteriormente.
EP – Na sua visão, quais serão os principais impactos da atual pandemia na gestão de pessoas do setor público brasileiro?
MR – A pandemia obrigou todas as áreas a repensarem seu negócio e com a gestão de pessoas não foi diferente. O trabalho remoto contingencial mudou paradigmas historicamente estabelecidos (como o rigor no controle do ponto – que, sabemos, não necessariamente reflete-se em produtividade) e abriu espaço para a promoção de novos modelos de gestão, com menos controle de horas e mais foco em resultados.
Acredito que haverá dois importantes movimentos para a área nos próximos anos: um primeiro voltado para a amplificação do uso da tecnologia, com a digitalização e automatização de processos, por exemplo; e, um segundo que, utilizando os resultados do primeiro, poderá aplicar cada vez mais o conceito de equidade – ou seja, tratar os indivíduos na sua individualidade, buscando as melhores formas de associar as necessidades organizacionais com as capacidades e interesses individuais de sua força trabalho.
EP – Em 2020, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica aderiu ao Programa de Gestão Estratégica e Transformação do Estado – TransformaGov. Quais os principais objetivos desse programa para o Cade?
MR – O TransformaGov tem como objetivo a modernização da gestão estratégica dos órgãos da administração pública. O plano do Cade contempla 13 ações de fortalecimento e transformação institucional, distribuídas em quatro áreas relevantes: Governança e Gestão Estratégica; Processos e Trabalho; Pessoas; e Patrimônio e Custeio. As ações visam aumentar ainda mais a eficiência do gasto público e entregar valor à sociedade.
Entre as atividades, destaca-se a apresentação, pelo Cade, de experiências com sistemas complementares àqueles estruturados pelo Ministério da Economia. É o caso, por exemplo, do sistema de avaliação de competências de lideranças, já mencionado. Concebemos o sistema desde o início para ser compartilhado com outros órgãos, sem qualquer custo.
Com relação à governança e gestão estratégica, aderimos à Rede de Inovação no Setor Público (InovaGov), de forma a reforçar a sua preocupação em aperfeiçoar constantemente os serviços que prestamos à sociedade.
No quesito gestão de pessoas, há projeto de adesão a módulos do Sigepe Gestor e do Sigepe Servidor, como, por exemplo, para gerenciamento de férias e afastamentos de servidores diretamente por meio do sistema de pessoal gerido pelo Ministério da Economia.
No que diz respeito ao patrimônio e racionalização de custeio, o Cade pretende oportunizar o compartilhamento com outros órgãos e entidades públicas de soluções que deram certo na autarquia e também de espaços internos, como o Plenário e a Biblioteca Agamenon Magalhães.
O Cade tem uma cultura de melhoria contínua e de incorporação das melhores práticas de gestão, mas posso afirmar que o TransformaGov fez aumentar na nossa equipe o espírito de contribuição e colaboração para a agenda de modernização da administração federal. Isso é refletido no compromisso público que o Cade está assumindo com a sociedade no novo plano estratégico para 2021-2024, em que estabelecemos o objetivo de “fortalecer práticas de governança e exercer papel ativo na transformação da gestão pública”.
Mariana Dalcanale Rosa é da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e é graduada em Gestão Estratégica das Organizações Públicas pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Atua no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (o Cade) desde 2009 e atualmente é Diretora de Administração e Planejamento. Antes disso, trabalhou por uma década na Caixa Econômica Federal. Em 20 anos no setor público, acumulou experiência na condução de projetos de mudança organizacional.