Caríssimos leitores!
Diversos são os desafios para a implementação do gerenciamento de projetos no setor público brasileiro. Para falar sobre esse assunto e sobre o Guia Referencial para Gerenciamento de Projetos e Portfólio de Projetos no Poder Executivo Federal, o nosso prezado Eduardo Paracêncio convidou o caríssimo professor e Auditor Federal de Finanças e Controle Tiago Chaves Oliveira para uma entrevista. Confiram!
Eduardo Paracêncio – Na sua visão, quais são os principais desafios do gerenciamento de projetos no setor público brasileiro?
Tiago Chaves Oliveira – A administração pública brasileira é bem heterogênea. Existem instituições que se destacam na utilização dos métodos e das técnicas mais avançados e que já têm as práticas de gerenciamento de projetos inseridas em sua na cultura organizacional. Por outro lado, temos instituições onde as ações de planejamento são escassas e realizadas pelos chamados “heróis”: aqueles servidores que mesmo em ambiente desfavorável, usam e incentivam o uso de boas práticas de gestão.
Em alguns órgãos vemos grande incentivo para a capacitação dos servidores. Em outros o próprio servidor deve buscar a ampliação de suas capacidades.
Já ouvi muitos relatos de que em alguns locais, pela grande quantidade de demandas e, em muitos casos, escassez de pessoas, a quantidade de tempo que os servidores têm disponível para realizar um bom planejamento é baixa. Nesses casos, os trabalhos com projetos são realizados em paralelo com a execução dos processos de trabalho ordinários das repartições.
Algumas organizações instituíram metodologias e processos de gerenciamento de projetos que são burocráticos e “pesados”, o que pode desincentivar o seu uso.
Por fim, no ambiente público temos sempre presente o componente político que podem afetar a continuidade dos gestores e dos projetos em si.
Apesar desses desafios, presenciei uma enorme evolução da utilização de práticas de gestão no Governo nos últimos 10 anos. O guia lançado contribui para a ampliação dessa cultura e marca o direcionamento da alta administração do Governo nesse sentido.
EP – Quais são hoje, na sua opinião, os benchmarks em gerenciamento de projetos no Governo Federal?
TCO – Conheço alguns exemplos de instituições que já estão em nível avançado na adoção de práticas de gestão de projetos, são elas: o Exército Brasileiro, com seu o seu Escritório de Projetos (http://www.epex.eb.mil.br/), o Banco Central do Brasil (BACEN) e a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
EP – Você ministra cursos sobre gestão de projetos no setor público. Quais são as dúvidas mais recorrentes dos servidores nessas capacitações?
TCO – Por incrível que possa parecer, a maior dúvida que vejo é exatamente na ação mais básica do gerenciamento de projetos, a decomposição. Trata-se da divisão de uma entrega grande em partes menores e mais facilmente gerenciáveis.
O esforço de decompor exige conhecimento sobre o produto ou serviço que se vai gerar e algum nível de criatividade. Apesar de ser uma atividade simples, muitas pessoas têm dificuldades na hora de praticar.
Percebo também dificuldades dos alunos com a construção de boas justificativas para a realização dos projetos. Gosto de fazer os alunos refletirem sobre o porquê da realização de cada projeto, incorporando evidências que justifiquem a necessidade do projeto e exercitando a sua visão holística sobre o projeto dentro do contexto da instituição. Pela minha experiência, essa é uma habilidade a ser desenvolvida na administração pública.
EP-O que é a governança de portfólio?
TCO – O portfólio é o conjunto de projetos, programas e processos da organização que “competem” ou são executados para o alcance dos objetivos institucionais, com a utilização dos recursos limitados, disponíveis na organização (recursos financeiros e pessoas). Como os recursos são escassos as organizações precisam definir quais são os esforços prioritários que consumirão seus recursos.
A governança do portfólio visa otimizar o uso dos recursos no alce dos objetivos da organização.
Portanto, conforme colocamos no guia, enquanto a gestão de projetos e programas se concentram principalmente em “fazer o trabalho do jeito certo”, o foco principal da gestão de portfólio é “fazer o trabalho que deve ser feito (o trabalho certo)”. Além disso, a correta governança do portfólio permite que o “trabalho certo” seja realizado no momento certo, com recursos adequados alocados, com a devida comunicação e coordenação entre os diversos os componentes.
EP – Quais os objetivos do Guia Referencial para Gerenciamento de Projetos e Portfólio de Projetos no Poder Executivo Federal?
TCO – No meu ponto de vista o principal objetivo do guia é contribuir para a ampliação do uso de práticas de planejamento nas instituições públicas. O guia foi lançado em conjunto com outros dois guias, o de gestão estratégica e o de construção de indicadores. A ideia da SEGES/ME era disponibilizar um conjunto completo de apoio aos órgãos para estabelecer uma visão dos resultados desejados em médio prazo (estratégia), estabelecer formas de mensurar esses resultados (indicadores) e estabelecer como alcançar esses resultados por meio de projetos.
A principal diretriz do guia é que ele fosse de fácil leitura e que trouxesse os conteúdos de forma concisa e não exaustiva. Compilamos conceitos trazidos pelos principais institutos relacionados com a temática e dos principais autores desse momento.
O guia deixa claro que não há uma única forma de gerir projetos. O antigo modelo “one size fits all”, que prescrevia um processo a ser seguido em todos os casos, foi deixado de lado. Hoje está muito claro que existem projetos que devem ser geridos com métodos ágeis, existem projetos que devem ser geridos com métodos “tradicionais” e existe a possibilidade de utilização de métodos híbridos, agregando as ferramentas que se adequarem ao contexto do projeto.
Tiago Chaves Oliveira é Auditor Federal de Finanças e Controle, Coordenador-Geral de Planejamento, Avaliação e Monitoramento da Secretaria Federal de Controle Interno da Controladoria-Geral da União (CGU). Mestre em Governança e Desenvolvimento pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Bacharel em Ciência da Computação com MBA em Gestão de Projetos de Engenharia de Software. Certificado em Auditoria Governamental (CGAP-IIA) e em Gerenciamento de Projetos (PMP-PMI). Autor do Guia de Gerenciamento de Portfólios e Projetos do Governo Federal. Atua na temática de Gerenciamento de Projetos e Auditoria Interna como praticante, professor e facilitador.