Caríssimos leitores!
A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) tem como objetivo estimular a transformação digital e a adoção e difusão de tecnologias e de novos modelos de negócios no setor produtivo, seja nas empresas, indústria ou serviços. Para falar sobre os principais desafios e projetos da Agência, o insigne entrevistador das figuras que se destacam na gestão pública brasileira, nosso prezado Eduardo Paracêncio, convidou o atual presidente da ABDI, Igor Calvet, para uma conversa sobre transformação digital, indústria brasileira e cidades inteligentes. Confiram!
Eduardo Paracêncio – Em 2021, o senhor completará dois anos à frente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Quais foram os maiores projetos da ABDI nesse período?
Igor Calvet-Desde outubro de 2019, quando fui nomeado presidente da ABDI, nós, na Agência, assumimos como maior projeto o de adequar a carteira de projetos da instituição às necessidades do setor produtivo brasileiro por inovação, a fim de contribuir para a inserção do país na nova ordem global de digitalização da economia. Dessa forma, iniciamos 2020, e, portanto, antes da pandemia, com a tarefa de reposicionar a ABDI para esse desafio.
A pandemia acelerou a tendência à transformação digital no mundo e no Brasil. E, em consequência, a agenda da ABDI. Paralelamente, requereu da nossa equipe a habilidade de somar à nova carteira de projetos, voltada para a economia digital, os esforços para ajudar o país no combate à crise sanitária.
Desenvolvemos uma série de projetos voltados, exclusivamente, para a redução dos efeitos da pandemia, como a categoria Missão contra COVID-19 do Edital de Inovação para a Indústria, que realizamos com o SENAI e a Embrapii; além das plataformas Respir@ e EPIMatch. (https://www.abdi.com.br/postagem/2020-um-ano-de-desafios-e-de-resultados)
Ao mesmo tempo, lançamos projetos de estímulo à transformação digital e ao uso de tecnologias da indústria 4.0 para empresas de todos os portes, com atuação na manufatura, serviço, comércio e agricultura. Atuamos em projetos voltados para a modernização das cidades, com o estímulo ao uso de tecnologias das cidades inteligentes. E desenvolvemos ações voltadas à formação profissional e à qualificação de pessoas para essa nova economia. Nossa atuação tem como base a execução de pilotos de experimentação de tecnologias (que podem ser replicados posteriormente), realizados a partir de parcerias robustas com o governo federal, governos subnacionais, institutos de inovação, academia e iniciativa privada.
Também trouxemos para a Agência o desafio de mobilizar governo e setor empresarial para o debate sobre a aplicação da tecnologia 5G pela indústria. Firmamos com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) um Acordo de Cooperação Técnica que permite a realização de testes de uso do 5G em redes privadas. Os resultados serão usados como subsídios para a regulamentação pela Anatel do uso de redes privadas pelo setor produtivo. Além disso, os testes servirão de guia para as empresas interessadas na adoção da tecnologia.
Portanto, creio que o projeto mais importante da ABDI nesse período foi estruturar essa agenda, que tem como foco a indução da transformação digital e das tecnologias 4.0 na indústria, sem descuidar de um trabalho coordenado com governos e o ecossistema de inovação, de modo a contribuir para um desenvolvimento sustentável, com aumento da eficiência, da produtividade das empresas e da competitividade do país.
EP-Alguns especialistas alertam para o fato de o Brasil estar vivendo uma progressiva desindustrialização. Como é possível reverter ou atenuar esse processo?
IC-Desde 2008, a participação da indústria no Produto Interno Bruto apresenta trajetória de queda. Para reverter ou atenuar esse processo, o desafio é pôr em prática uma nova geração de políticas, à luz das grandes tendências mundiais: i) envelhecimento da população, impondo novos padrões de consumo e de organização do trabalho; ii) aquecimento global, exigindo estratégias nacionais de redução de emissões de gases de efeito estufa que impactam as formas de produção atuais; iii) aumento do consumo de energia e escassez de recursos naturais, ampliando a utilização de energias renováveis e exigindo o desenvolvimento de produtos a elas adaptados; iv) fragmentação da produção imposta pelas cadeias globais de valor; v) endividamento crescente dos governos, trazendo a necessidade de controle dos gastos públicos e ampliando a importância de atores não governamentais; vi) maturidade e convergência das tecnologias digitais, trazidas pela 4º Revolução Industrial, impactando consumo, relações de trabalho e processos produtivos.
Olhando atentamente para o último item, emerge a importância da transformação digital para o desenvolvimento econômico. Decerto que para que a transformação digital seja completa, em uma empresa, sociedade, ou país, é preciso que haja condições para que ela ocorra, o que inclui pesquisa, desenvolvimento e inovação, infraestrutura adequada, confiança no ambiente digital e capacidades digitais (cultura e educação).
EP-Na sua visão, quais serão os principais impactos da tecnologia 5G sobre a indústria brasileira?
IC-Eu tenho dito que a implantação do 5G será a melhor política industrial para a economia pós pandemia. As redes 5G terão papel central na transformação digital do país. E vão garantir um salto tecnológico industrial com capacidade de mudança das estruturas de produção, com ganhos expressivos de produtividade e de competitividade.
A tecnologia 5G abre caminho para uma diversidade de serviços e aplicações, com repercussões positivas para a remodelagem dos negócios em setores como a indústria, varejo, serviços, saúde ou agricultura.
O impacto direto sobre a produtividade é muito mais significativo em função da alta largura de banda e baixa latência, o que amplia a conectividade não apenas entre as pessoas, mas, principalmente, entre “objetos” (máquina, equipamentos, dispositivos), a chamada Internet das Coisas (IoT- Internet of Things).
Esta ampla conexão entre objetos incrementará, de forma transformadora, a produtividade da economia por meio de uma melhoria substancial da coordenação do processo produtivo, flexibilizando linhas de produção e alterando completamente as formas de entrega de bens e serviços. Colocar a conexão entre “objetos” no centro das aplicações será simplesmente revolucionário não só para a indústria, mas para todas as atividades econômicas.
EP-Quais os principais objetivos do Laboratório Vivo de Cidades Inteligentes, em Foz do Iguaçu? É uma iniciativa replicável em outros municípios?
IC-O Laboratório Vivo de Cidades Inteligentes em Foz do Iguaçu (PR) é uma parceria da ABDI com o Parque Tecnológico Itaipu (PTI), inaugurado em 2018. Tem como principal objetivo a realização de testes e validação de tecnologias de cidades inteligentes em ambiente controlado. A parceria com o PTI foi a primeira iniciativa da ABDI na área de cidades inteligentes, que resultou, por exemplo, na realização dos projetos de mobilidade urbana firmados com os governos do Distrito Federal e do Paraná, de uso de carros elétricos para frotas públicas.
Com o PTI, a ABDI também realiza hoje o projeto Vila A, que também tem a cooperação da prefeitura de Foz do Iguaçu, da Itaipu Binacional e da COPEL. Trata-se da instalação de um laboratório vivo no bairro Vila A, de Foz do Iguaçu, com o objetivo de testar tecnologias de cidades inteligentes em ambiente real, com interação dos moradores locais.
A partir dessas experiências, a ABDI tem firmado parcerias com prefeituras de todo o Brasil para a instalação de laboratórios vivos de cidades inteligentes. Estamos instalando os living labs em cidades como Petrolina (PE), Salvador (BA), Campina Grande (PB), Macapá (AP), além de Foz do Iguaçu. Esses ambientes são limitados pelas prefeituras por meio de decretos, que definem uma área (chamada de sandbox) como local para testar e validar as tecnologias. A vantagem é que os testes ajudam as prefeituras a decidirem sobre a adoção de uma tecnologia antes de estendê-la para toda a cidade, contribuindo, sobretudo, para a economia de recursos do município.
Os testes também ajudam a fomentar a inovação local, ao estimular as potencialidades das empresas e criar um ambiente de criação e pesquisa fértil para as universidades e institutos de ensino. As tecnologias são variadas. Luminárias inteligentes, sensores, softwares de controle do tráfego, gadgets. Tudo para otimizar os serviços urbanos, melhorar a qualidade de vida e a eficiência no uso dos recursos.
EP-Como a transformação digital e o aumento da produtividade poderão contribuir para a retomada da economia brasileira nos próximos anos?
IC-Ainda que seja um dos principais fatores de competividade, dados da OCDE indicam que a produtividade tem sido um problema enfrentado por empresas e governos mundiais nas últimas décadas. Frequentemente a baixa produtividade no Brasil é atribuída a fatores como baixa qualificação da mão-de-obra e baixa capacidade de inovar.
A transformação digital pode ser um importante aliado das empresas e governos para aumentar a produtividade. Podemos entender a transformação digital como o estabelecimento de uma estratégia em que a integração de tecnologias digitais resulte em mudanças na forma como as empresas operam, exploram novas oportunidades de negócios e agregam valor aos seus clientes. Logo, temos duas vertentes da transformação digital: o uso de tecnologias em busca de uma maior eficiência e produtividade no negócio atual e a aplicação de tecnologias voltadas à agregação de valor para os clientes, a partir de suas necessidades, em que novos produtos, serviços e modelos de negócios emergem. Portanto, discutir as condições de realização da transformação digital significa discutir os determinantes da competitividade e do desenvolvimento do país.
É preciso garantir que a transformação digital seja inclusiva e evitar que o novo normal amplie ainda mais as desigualdades econômicas e sociais do país. Deve-se garantir que os avanços tecnológicos estejam integrados à formação do capital humano. Os investimentos em transformação digital, impulsionados por uma resposta à pandemia, devem definir um caminho para a aceleração do país, que vai além da recuperação econômica. Muito está sendo feito, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.
EP-Na sua visão, quais serão os principais desafios da ABDI nos próximos 5 anos?
IC-Herdamos do ano de 2020, pelo menos, três aprendizados. O primeiro nos mostrou que a transformação digital, que evoluía em ritmo muito lento no Brasil e ainda era considerado um diferencial de mercado, tornou-se, inevitavelmente, um fator de sobrevivência do setor produtivo. A ABDI, que já tinha como missão estimular a adoção e a difusão de novas tecnologias, novos modelos de negócios e a inserção do país na economia digital, aprimorou ainda mais o catálogo de projetos, com o objetivo de ampliar o acesso a tecnologias a todos os setores de produção.
O segundo aprendizado foi a necessidade, ressaltada pela pandemia, da maior cooperação e coordenação entre os sistemas de inovação, os governos e a sociedade civil organizada. Eu costumo dizer que o Brasil possui um dos mais sofisticados sistemas de inovação do mundo, composto por institutos de ponta, fundos setoriais e agências de fomento. Um dos maiores desafios é coordenar esse trabalho e estimular os ecossistemas a cooperarem, para garantir que o desenvolvimento tecnológico seja alcançado de forma sustentável e equilibrado para todas as regiões do país e todos os setores da economia.
Um terceiro aprendizado é o exercício da prontidão. Na ABDI, a pandemia testou intensamente a nossa capacidade de entender as reais necessidades do setor produtivo frente aos novos desafios trazidos pela crise sanitária. E essa faculdade resultou em entregas mais coerentes e mais efetivas.
Creio, portanto, que os principais desafios da ABDI para os próximos anos derivam, em grande parte, desses aprendizados. Será preciso aprimorar a atuação da ABDI no campo da transformação digital; no esforço de contribuir com a maior coordenação e cooperação dos sistemas de inovação; e na capacidade de manter a prontidão da Agência para adequar nossos projetos às reais necessidades do setor produtivo. Quanto maior for o sucesso da ABDI nessas tarefas, tanto melhor será a nossa capacidade para gerar valor ao país.
Igor Calvet é presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Foi Secretário Especial Adjunto do Ministério da Economia, e Secretário de Desenvolvimento e Competitividade Industrial do extinto Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Também foi Chefe da Assessoria de Assuntos Regulatórios e Internacionais do Ministério da Saúde e analista de Negócios e Projetos da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). Durante a carreira de servidor público federal, integrou diversas comissões e comitês governamentais e de universidades. É doutorando e mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília.