EGP Entrevista: Planejamento estratégico no setor público

Caríssimos(as) leitores(as)!

O professor Jackson de Toni (https://periodicos.fgv.br/cgpc/announcement/view/316) ensina que diversos e imensos são os desafios para a consolidação de uma cultura de planejamento governamental estratégico, com participação e concertação social. Quais foram as principais inovações e objetivos do PPA 2024-2027? O que podemos esperar da Estratégia Brasil 2050? Para tratarmos dessas e outras perguntas, convidamos a Secretária Nacional de Planejamento do Ministério do Planejamento e Orçamento, Virgínia de Ângelis, para uma entrevista especial. As perguntas foram elaboradas pelo professor e Analista de Planejamento e Orçamento, Dalmo Palmeira. A organização do trabalho foi feita pelo colega Eduardo Paracêncio.

Dalmo Palmeira – O projeto do novo Plano Plurianual (PPA), logo no primeiro parágrafo da mensagem presidencial que o encaminhou, salientou a necessidade da reconstrução da capacidade de planejamento do país. Por outro lado, há analistas que afirmam que o Brasil se distanciou, há algumas décadas, da capacidade de utilizar o planejamento público, como ferramenta de construção de um futuro comum, focando apenas na gestão do curto prazo. Como a Sra vê essa questão e qual o caminho para a adoção de um processo de planejamento que destrave o potencial de crescimento econômico do país, com justiça social?

Virgínia de Ângelis – De fato, vemos que o país, apesar de planejar bastante, ainda não conseguiu se aproximar do ideal preconizado no art. 3º da Constituição Federal, que estabelece como objetivos fundamentais da República o desenvolvimento nacional equilibrado e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais, assegurando o bem de todos, sem nenhuma forma de discriminação.

A exemplo do que tem sido afirmado em relação às regras fiscais, podemos dizer que o Brasil é pródigo em elaborar planos, mas não tanto em segui-los. A Constituição Federal e outras leis preveem uma série de instrumentos de planejamento nacional, setorial e regional.

Em um levantamento realizado pela Secretaria Nacional de Planejamento (SEPLAN) do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), foram identificados cerca de trinta planos dessa natureza apenas em âmbito nacional. Para citar alguns exemplos, temos o Plano Nacional de Educação (PNE), o Plano Nacional de Assistência Social (PNAS), o Plano Nacional de Cultura, o Plano Nacional de Energia, o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), o Plano Nacional de Viação (ou Plano Integrado de Transporte), o Plano Nacional de Mudança do Clima (e seus planos setoriais de adaptação e mitigação), o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), os Planos Regionais de Desenvolvimento do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste, entre tantos outros.

O desafio está, portanto, em garantir a coesão e a articulação de todos esses instrumentos, assegurando que eles efetivamente direcionem o país ao alcance do desenvolvimento sustentável, justo e inclusivo delineado no art. 3º da Constituição Federal de 1988.

O PPA é o instrumento previsto na Constituição Federal para integrar e articular os demais planos e políticas em torno de objetivos, diretrizes e metas comuns, para um período de quatro anos. Trata-se de uma lei de natureza orçamentária, que estabelece as orientações estratégicas a serem seguidas pelas demais peças orçamentárias: a lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual, principal meio de concretização das políticas públicas e da atuação governamental.

Ao instituir o Plano Plurianual, o Constituinte buscou garantir que a alocação de recursos fosse além do atendimento de interesses e urgências de curto prazo, conectando o orçamento anual a uma visão de futuro que permita superar desigualdades sociais e regionais, promover o crescimento econômico sustentável, com inclusão e aumento de produtividade e competitividade.

Desde que foi instituído, o PPA teve dificuldades para cumprir sua função como instrumento de orientação e apoio da gestão estratégica. De 2000 a 2011, houve avanços nessa direção, com destaque para a articulação entre o PPA e o orçamento e a estruturação dos programas a partir de problemas identificados na sociedade. Na última década, contudo, o PPA perdeu relevância e foi gradativamente apagado. Paralelamente, o orçamento perdeu a sua orientação estratégica e a sua capacidade de garantir a implementação de políticas e investimentos estruturantes para o país.

Em 2023, o novo governo, eleito por uma frente democrática ampla, buscou restaurar essa capacidade com a recriação do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), da Secretaria Nacional de Planejamento (SEPLAN) e a reconstrução, em bases renovadas e fortalecidas, desse instrumento.

Entre os destaques da reconstrução desse instrumento, está o fortalecimento de sua dimensão estratégica, com o estabelecimento de indicadores-chaves nacionais, para os quais foram estabelecidas metas em sistemas de bandas; o foco na geração de resultados para a sociedade, com um amplo acervo de métricas e entregas que permitem acompanhar o desempenho da atuação governamental; e a construção pautada em um amplo processo participativo, com o maior nível de participação social orçamentária em nível federal da história, que permitiu à sociedade conhecer e se apropriar de um instrumento essencial de exercício da cidadania e que fez com que o PPA ganhasse atenção por parte da alta gestão do Poder Executivo, junto a ministros(as) e secretários(as) executivos(as).

A elaboração do PPA 2024-2027 evidencia elementos fundamentais para a reconstrução da capacidade de planejamento do Estado brasileiro e para que ela efetivamente permita destravar o potencial de crescimento econômico com justiça social. Mais do que uma prescrição formal, formulada por um grupo restrito e seleto, o planejamento nacional deve resultar de um amplo processo de engajamento de atores diversos, que permita conciliar visões, ambições e diferentes planos em torno de uma visão de futuro legitimamente consensuada, a ser buscada a partir de resultados que efetivamente transformem a realidade, passíveis de acompanhamento por indicadores e metas que de fato expressem as mudanças desejadas. O desenvolvimento de planos estratégicos de longo prazo, com avaliações periódicas e ajustes conforme necessário, será crucial para destravar o potencial de crescimento sustentável e inclusivo.

DP – Na sequência de PPAs que tivemos neste início de século, ficou clara a opção de o governo federal planejar para si mesmo, sem convidar os demais entes da federação para a construção de processos coordenados de planejamento do futuro do país. E neste governo, chama a atenção o fato de que a secretaria que a Sra dirige, a Secretaria Nacional de Planejamento – SEPLAN, do Ministério do Planejamento e Orçamento – MPO, optou por adotar o adjetivo Nacional, e não apenas Federal, ao que parece, apontando para um processo de aproximação do governo federal, em relação aos estados e municípios, para a construção de planos nacionais e subnacionais construídos a várias mãos. Essa percepção é correta? Se sim, como a Sra planeja que isso aconteça?

VA – Sim, a opção por incluir o termo “Nacional” na Secretaria Nacional de Planejamento reflete a intenção de promover uma maior colaboração entre os diferentes níveis de governo. A integração entre União, estados e municípios é essencial para garantir que os planos nacionais sejam realistas e alinhados com as realidades locais. Pretendemos implementar processos de planejamento que incentivem a participação ativa dos entes federativos, promovendo fóruns de diálogo e construção conjunta de estratégias que atendam tanto às demandas locais quanto às necessidades nacionais.

Durante o ano de 2023, alguns passos importantes foram dados nessa direção, com destaque para a reativação do Conselho Nacional de Secretários de Estado de Planejamento (Conseplan), articulada e fortemente apoiada pela Secretaria Nacional de Planejamento. A reunião do Conseplan realizada em março de 2023 marcou a retomada do esforço de articulação de uma rede nacional de planejamento, por meio da qual se pretende resgatar e fortalecer essa função e todo o ecossistema que ela envolve (instituições governamentais, sociedade civil, academia, setor produtivo) nos três níveis federativos.

A realização de plenárias nas 27 capitais brasileiras durante a elaboração do PPA 2024-2027 foi outro marco nesse processo, com a participação de mais de 34 mil, por meio do qual se buscou conferir ao plano de médio prazo do governo federal de fato incorporasse as necessidades e demandas locais.

Outro destaque do fortalecimento de uma rede nacional de planejamento está na assinatura de um Acordo de Cooperação Técnica entre o Ministério do Planejamento e Orçamento e o Conseplan, em novembro de 2023, com o objetivo de ampliar a colaboração mútua para a melhoria e o aperfeiçoamento dos sistemas de planejamento e orçamento público. O acordo está sendo desdobrado em planos de trabalho com a Secretaria Nacional de Planejamento, a Secretaria de Orçamento Federal e a Secretaria de Monitoramento e Avaliação, a partir dos quais serão desenvolvidas atividades para estimular a troca de informações, conhecimentos e inovações, o aprimoramento de capacidades e, sobretudo, o fortalecimento do planejamento enquanto função de Estado em todos os níveis da Federação.

DP – Os PPAs anteriores passaram por processos de avaliação que focaram mais no seu cumprimento formal do que na efetividade dos programas governamentais neles previstos. Podemos esperar que o PPA tenha seus programas avaliados com uma lente mais dedicada à efetividade dos programas governamentais do que os anteriores? Nesse sentido, o dispositivo inserido na Constituição Federal pela Emenda Constitucional – EC 109/2021, de que as leis orçamentárias – dentre elas, o PPA – devem considerar os resultados das avaliações de políticas públicas na sua elaboração, ajuda a ampliar a avaliação da efetividade?

VA – Como mencionei anteriormente, o foco em resultados foi uma das premissas norteadoras da construção do PPA 2024-2027. A base metodológica do plano assenta-se no modelo lógico para construção dos programas finalísticos, de modo a demonstrar o encadeamento entre problemas a serem enfrentados, ações governamentais focalizadas na sua solução, recursos e atividades para gerar produtos, resultados e seus respectivos impactos, no curto, médio e longo prazos. O estabelecimento de indicadores e metas é parte essencial do modelo lógico, permitindo o monitoramento e a avaliação dos resultados e impactos buscados.

No PPA 2024-2027, todos os atributos que expressam resultados e impactos estão acompanhados de indicadores e metas, tanto na dimensão estratégica quanto na dimensão tática do plano. Pela primeira vez, os objetivos estratégicos da dimensão estratégica do plano estão acompanhados de indicadores-chave nacionais (KNI, na sigla em inglês), informados por um sistema de metas em bandas, que permite acomodar as incertezas inerentes ao planejamento de médio prazo.

Na dimensão tática, os programas finalísticos consolidam um conjunto articulado de objetivos específicos, os quais expressam resultados/transformações a serem geradas para o público-alvo, cada um acompanhado do respectivo indicador e meta. Por seu turno, os objetivos específicos se desdobram em entregas, que são bens e produtos entregues à sociedade, que viabilizarão o alcance do resultado (objetivo específico) correspondente. As entregas também estão acompanhadas de seu indicador e meta.

O PPA 2024-2027 nasce, portanto, com as ferramentas necessárias para assegurar o pleno cumprimento do preceito constitucional que determina a efetiva incorporação dos resultados das avaliações de políticas públicas no planejamento orçamentário (preceito incluído pela Emenda Constitucional n°109. Ademais, o preceito é um dos pilares da governança e da gestão do PPA 2024-2027, conforme se depreende da própria lei do PPA, a Lei nº 14.802, de 10 de janeiro de 2024, e de todo o seu regulamento, detalhado no Decreto nº 12.066, de 18 de junho de 2024.

A governança e a gestão do PPA 2024-2027 foram desenhadas com vistas à consecução dos objetivos e das metas nele previstos, bem como ao aperfeiçoamento, entre outros elementos, dos processos de monitoramento, avaliação e revisão do plano. Para tanto, destacam-se algumas inovações do PPA 2024-2027. A primeira delas é a previsão da criação de um Observatório, atualmente em construção, com o fim de acompanhar os objetivos estratégicos, os indicadores-chave nacionais e as metas, composto por entidades da sociedade civil, setor produtivo, institutos de pesquisa e universidades. Outra novidade é o monitoramento intensivo das prioridades estabelecidas na lei do PPA 2024-2027, que ocorrerá em bases semestrais e cujos resultados sertão levados à comissão técnica que assessora tecnicamente a Junta de Execução Orçamentária (JEO), órgão de assessoramento direto ao Presidente da República na condução da política fiscal do governo. Outra novidade é a realização de um balanço parcial do alcance de metas durante o exercício, com o objetivo de antecipar riscos que possam comprometer o alcance das metas e possibilitar a adoção de medidas preventivas ou corretivas para garantir esse alcance. Ademais, está sendo desenvolvida uma ferramenta de autoavaliação, para que os próprios órgãos possam avaliar o cumprimento dos objetivos e metas de seus programas, bem como avaliar os próprios programas e, assim, garantir a sua consistência para nortear a sua atuação.

Os resultados do monitoramento e da autoavaliação serão considerados no processo de revisão do plano, previsto para ocorrer até 120 dias após a publicação da lei orçamentária anual. A revisão ordinária do PPA consiste na atualização de programas finalísticos, com vistas a proporcionar aderência à realidade de implementação das políticas públicas. A revisão também compreende a atualização das projeções de receitas e despesas que informam o cenário macroeconômico e fiscal do PPA (Anexo II da Lei 14.802, de 2024), e busca manter o cenário de planejamento de quatro anos.

Busca-se, com todo esse conjunto de ferramentas e inovações, garantir que o PPA seja permanentemente atualizado e aperfeiçoado, de modo a se consolidar como instrumento efetivamente útil para orientar a atuação governamental e a alocação de recursos públicos.

DP – O PPA 2024-2027 apresentou uma forte marca em relação ao princípio da transversalidade. Temas como crianças e adolescentes, mulheres, meio ambiente, povos indígenas e igualdade racial ganharam espaços que extrapolam os limites apenas de um ministério especializado em cada um desses temas. A Sra poderia explicar qual o papel desempenhado pela transversalidade no modelo de planejamento adotado neste PPA? E por que isso importa não só para o público-alvo dessas políticas específicas? Em síntese, por que a transversalidade importa?

VA – A transversalidade é uma nova abordagem de política pública para endereçar problemas complexos, cuja superação requer tratamento multidimensional por parte do governo, sejam tratados de forma integrada e coordenada. A transversalidade tende a melhorar a efetividade das políticas ao abordar as interconexões entre diferentes áreas e maximizar os impactos positivos em múltiplos setores, beneficiando a sociedade como um todo.

As transversalidades foram adotadas em PPAs anteriores, tendo servido como diretrizes para a formulação do plano ou introduzidas na fase de monitoramento. A inovação do PPA 2024-2027 foi definir e elencar as transversalidades na lei, além de consolidar os atributos legais de cada uma delas (programas; objetivos específicos, indicadores e metas) em anexo específico (Lei nº 14.802, de 2024, Anexo V).

As cinco agendas transversais do PPA 2024-2027 – crianças e adolescentes, mulheres, igualdade racial, povos indígenas e meio ambiente – foram definidas ainda na fase de elaboração do plano, tendo orientado as oficinas de construção dos programas.

Após a inserção dos dados e informações referentes a cada programa no Sistema de Informações de Planejamento e Orçamento (SIOP), a equipe da SEPLAN promoveu a marcação dos atributos de cada agenda no sistema, para viabilizar a sua consolidação e, uma vez aprovado o plano, o seu monitoramento. Além dos atributos legais, também foram marcados os atributos infralegais que contribuem para cada agenda transversal (entregas, seus indicadores e metas, e medidas institucionais e normativas).

São três as razões principais para identificar, marcar e consolidar as agendas transversais. A primeira delas é que esse processo fornece um mapa abrangente dessa nova ferramenta de gestão pública, que possibilita identificar possíveis sinergias, sobreposições, duplicidades e lacunas, propiciando pensar em outros arranjos e outras formas de integração de políticas. A segunda razão é que esse esforço garante transparência ao esforço do governo federal em vista dos desafios em cada pauta, por meio de indicadores que alimentam o processo de monitoramento e avaliação das políticas e permitem seu aperfeiçoamento. A terceira razão é a de avançar na forma de governança das próprias agendas, a partir da definição de responsáveis, atores relevantes e seus respectivos papéis, da criação de métodos e instrumentos que possibilitem a integração das políticas públicas essenciais para determinado público ou tema.

A governança e a gestão do PPA 2024-2027 devem buscar o aperfeiçoamento dos mecanismos de implementação e integração de políticas públicas, sobretudo quanto às prioridades do Governo Federal e às agendas transversais. A Secretaria Nacional de Planejamento tem adotado uma série de iniciativas nesse sentido, com destaque para: 1) publicação de relatórios das cinco agendas transversais com vistas à promoção da transparência dessa ferramenta, a partir de publicações com linguagem mais amigável (disponíveis em: https://www.gov.br/planejamento/pt-br/assuntos/plano-plurianual/plano-plurianual/paginas/paginas-ppa-2024-2027/relatorios-planejamento-nacional); 2) estabelecimento, em conjunto com a Secretaria de Orçamento Federal, de parceria com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) para realização de estudo acerca da governança orçamentária da agenda transversal mulheres; 3) parceria com a Secretaria de Orçamento Federal na construção de referenciais que orientem a administração pública federal na incorporação das transversalidades nas políticas públicas, no PPA e no orçamento; 4) parceria com o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas para incorporar as transversalidades e as prioridades do PPA como critério para seleção de políticas públicas a serem avaliadas pelos seus comitês.

Com isso, busca-se consolidar e avançar nessa importante ferramenta de gestão pública, tão necessária para garantir que o país possa efetivamente promover a equidade, a justiça social e a sustentabilidade ambiental e climática.

DP – Aprofundando um pouco mais sobre a transversalidade da política ambiental, em um artigo recente de sua co-autoria, publicado na Revista Conjuntura Econômica, a Sra afirmou que, dos 88 programas do PPA 2024-2027, 50 têm relação com a pauta ambiental e que 25 ministérios dão alguma contribuição ao tema. A Sra poderia detalhar um pouco mais essa afirmação? De que forma todos esses Ministérios estão contribuindo para a política ambiental brasileira?

VA – É a primeira vez que a pauta ambiental consta como agenda transversal no PPA. Ela conta com o maior número de atributos entre as cinco agendas e perpassa todos os níveis do PPA 2024-2027 – estratégico, tático e gerencial. Os números mencionados foram obtidos a partir do processo mencionado na questão anterior, de marcação e consolidação das agendas transversais.

A abrangência da agenda transversal ambiental reflete a urgência e a complexidade dos problemas ambientais e climáticos. O enfrentamento dos desafios, a tempo de conter danos irreversíveis aos ecossistemas e às pessoas, requer não apenas que os mais diversos setores de fato incorporem a sustentabilidade ambiental em seus processos e políticas públicas, mas também que os esforços sejam coordenados e integrados.

Cada Ministério contribui de maneira específica para a política ambiental, adaptando suas atividades na superação dos diversos desafios ambientais e climáticos que o país enfrenta. Por exemplo, ministérios ligados à agricultura podem implementar práticas sustentáveis, enquanto os de infraestrutura podem focar em projetos que minimizem o impacto ambiental. Essa abordagem busca garantir uma cobertura abrangente das questões ambientais e promover uma coordenação mais eficaz entre diferentes áreas de governo.

Para facilitar a compreensão de como os ministérios contribuem para a agenda, os atributos do PPA 2024-2027 foram categorizados em sete dimensões, como mostra o Relatório da Agenda Transversal Meio Ambiente (disponível em: https://www.gov.br/planejamento/pt-br/assuntos/plano-plurianual/plano-plurianual/copy_of_arquivos/relatorios-planejamento-nacional/agenda-transversal-meio-ambiente.pdf). São elas:

  • prevenção e controle do desmatamento e combate a incêndios;
  • conservação, proteção e recuperação da biodiversidade, de ecossistemas e biomas;
  • gestão e conservação dos recursos hídricos;
  • gestão e conservação dos recursos marinhos e zona costeira;
  • bioeconomia;
  • qualidade ambiental em áreas urbanas e rurais; e
  • enfrentamento da emergência climática.

A categorização proposta é apenas uma escolha, dentre várias outras possíveis, em face do elevado grau de interconexão e transversalidade entre as próprias dimensões da agenda. Elas apontam para grandes desafios atuais, tendo em vista especificidades do país, detentor de grandes riquezas naturais, que precisa conciliar a proteção ambiental e a conservação de recursos naturais com o desenvolvimento socioeconômico e com estratégias de superação de graves desigualdades regionais, sociais e econômicas.

DP – Uma característica do processo de construção do atual PPA foi o resgate da participação popular no desenho dos programas e na escolha dos problemas que seriam atacados por esses programas, na forma de definição de agendas prioritárias. Coordenar um processo de mobilização social da magnitude que foram as oficinas de elaboração do PPA é, sem dúvida, uma tarefa nada simples, mas, quero crer, muito recompensadora. A Sra poderia explicar quais os aportes que a realização das rodadas participativas no processo de elaboração do PPA proporcionaram à qualidade do documento final desse Plano?

VA – O processo de participação social foi uma ferramenta fundamental para alavancar a reconstrução do PPA, enquanto instrumento efetivo de orientação estratégica da atuação governamental. A mobilização social permitiu tornar o plano mais alinhado com as reais demandas da população, uma demanda expressa do Presidente Lula. A participação ativa da sociedade ajudou a identificar prioridades e a garantir que os programas refletissem as aspirações e desafios enfrentados pelos cidadãos, resultando em um plano “com o dedo do povo”.

O PPA 2024-2027 passou a ser chamado de PPA Participativo por ter tido a maior participação social já registrada em processos participativos realizados em âmbito federal. Os números absolutos materializam a grandeza dessa participação: mais de 1,4 milhão de pessoas, que realizaram mais de 4 milhões de acessos na Plataforma Brasil Participativo; 8.254 propostas realizadas; 27 plenárias em todas as capitais brasileiras, com mais de 34 mil participantes presenciais; 3 fóruns interconselhos, com 36 conselhos nacionais representados. Esses números foram viabilizados pelas ferramentas desenvolvidas pela Secretaria Nacional de Participação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, com apoio da DataPrev.

As propostas realizadas foram analisadas e, quando possível, efetivamente incorporadas ao documento final, em todas as dimensões do plano, a partir de metodologias desenvolvidas pela Secretaria Nacional de Planejamento. A redação final da visão de futuro que orienta todo o PPA 2024-2027 é resultante de alterações promovidas ao longo dos Fóruns Interconselhos, que também contribuíram para a versão final dos valores e das diretrizes do plano.

Ademais, as prioridades do PPA incorporaram os quatro programas mais votados – Enfrentamento da Emergência Climática; Atenção Primária à Saúde; Atenção Especializada à Saúde; Promoção do Trabalho Digno, Emprego e Renda – e uma das temáticas com maior número de propostas, qual seja, educação básica.

Por fim, houve um grande esforço para que as propostas realizadas pela Plataforma Brasil Participativo fossem efetivamente analisadas e, quando possível, incorporadas aos programas do PPA. Das propostas analisadas, cerca de 84% foram incorporadas, total (60%), parcialmente (18%) ou possuem incorporação condicionada (5,5%). Os detalhes desse processo estão contados no capítulo “12. Um PPA com “o dedo do povo”: análise, incorporação das propostas e constituição da Agenda PPA Participativo”, que integra o livro “Reconstrução do Planejamento Nacional” (disponível em: https://www.gov.br/planejamento/pt-br/assuntos/plano-plurianual/plano-plurianual/copy_of_arquivos/240405-a-reconstrucao-do-planejamento-nacional-inovacoes-e-desafios-do-ppa-2024-2027-digital.pdf).

Todas as propostas incorporadas ao PPA foram marcadas no Sistema de Informações de Planejamento e Orçamento (SIOP), consolidando a agenda “PPA Participativo”. A identificação tem como objetivo complementar o processo da participação cidadã na elaboração do PPA, assegurando a devida transparência, o monitoramento, a prestação de contas e o controle social das demandas realizadas diretamente pela sociedade.

DP – Uma inovação que este PPA traz é a inclusão dos indicadores-chave em sua estrutura. Pelo que tem sido anunciado, esses indicadores permitirão o acompanhamento por toda a sociedade da evolução das entregas previstas no Plano. A Sra poderia nos explicar o que são e como eles vão ajudar a garantir a qualidade e a transparência dos gastos previstos no PPA 2024-2027?

VA – Os indicadores-chave fazem parte das iniciativas adotadas para fortalecer a dimensão estratégica do PPA. Essa dimensão tem a função de traduzir as linhas estratégicas do Governo Federal para as políticas públicas, balizando a construção dos programas, a definição de resultados e entregas a serem buscados no horizonte temporal de quatro anos.

A dimensão estratégica do PPA 2024-2027 está organizada em quatro partes: i) visão de futuro para 2027, com sete indicadores-chaves nacionais (Key National Indicators – KNI) e respectivas metas; ii) valores e diretrizes; iii) eixos; e iv) 35 objetivos estratégicos e seus 62 respectivos indicadores-chaves  e metas.

Os indicadores-chave nacionais permitem mensurar o progresso quanto ao alcance da visão do país que buscamos para 2027, qual seja: “Um país democrático, justo, desenvolvido e ambientalmente sustentável, onde todas as pessoas vivam com qualidade, dignidade e respeito às diversidades”.

Esses indicadores permitem acompanhar o progresso social, econômico, ambiental e institucional do Brasil, considerando as múltiplas dimensões do bem-estar individual e coletivo, para que sejam alcançados os objetivos nacionais nas respectivas áreas. São variáveis-chave para aferir os efeitos de transformação e são essenciais para o acompanhamento do desempenho da estratégia adotada no Plano.

Para cada indicador-chave, foi associada uma meta, definida em um sistema de bandas. Esse sistema representa um intervalo, com limites de valores factíveis para o período de 4 anos de vigência do PPA. A sistemática oferece flexibilidade para lidar com incertezas e variações inerentes ao horizonte temporal de médio prazo e ajuda, assim, a ancorar as expectativas dos atores sociais, econômicos e políticos em torno da melhoria desejada.

Os sete indicadores-chave nacionais ligados à visão de futuro medem os resultados esperados no período 2024-2027 em relação a dois dos atributos centrais da visão de futuro: equidade e sustentabilidade (democracia também é um atributo fundamental). Como exemplos dos indicadores-chave nacionais ligados à visão de futuro do PPA Participativo estão a taxa de extrema pobreza, a razão entre as rendas dos 10% mais ricos e dos 40% mais pobres, o PIB per capita e dois indicadores associados às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) que o país adotou no âmbito do Acordo de Paris: emissão de gases de efeito estufa (GEE) e desmatamento anual no bioma Amazônia.

Além dos sete indicadores-chave nacionais ligados à visão de futuro, temos 62 indicadores-chave nacionais ligados aos 35 objetivos estratégicos, que estão divididos em três eixos: desenvolvimento social e garantia de direitos; desenvolvimento econômico e sustentabilidade socioambiental e climática; defesa da democracia e reconstrução do Estado e da soberania.

Os indicadores-chave vinculados aos objetivos estratégicos medem os resultados obtidos no período, gerados pela ação governamental. Para os indicadores-chave dos objetivos estratégicos também foi adotado o sistema de bandas, com limite de valores factíveis para a evolução de cada indicador de 2024 a 2027.

Os 69 indicadores-chave do PPA 2024-2027 e suas respectivas metas foram elaborados com o apoio do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) e validados com os ministérios cuja atuação tem maior relação com o objetivo estratégico a ser alcançado.

Essa é a primeira vez que a dimensão estratégica do PPA apresenta indicadores-chave e metas que permitem acompanhar a evolução das transformações buscadas, e também é a primeira vez que essa seção consta como anexo da Lei do PPA – anteriormente, a dimensão estratégica constava apenas da mensagem presidencial.

Para monitorar a evolução desses indicadores, a Lei do PPA 2024-2027 previu uma instância de governança própria, um observatório, composto por entidades da sociedade civil, setor produtivo, institutos de pesquisa e universidades. O observatório está em construção e deve ser instituído ainda em 2024. Além disso, o decreto de gestão do PPA, Decreto nº 12.066, de 2024, prevê o monitoramento anual da evolução dos indicadores-chave nacionais, sempre que a metodologia de cálculo do indicador permitir.

 

DP- Nos debates sobre reforma orçamentária, que é uma pauta defendida pela Ministra Tebet, surge sempre a necessidade da adoção de Marcos de Despesas de Médio Prazo – MTEF (na sigla em inglês). Porém, para que se possa ter clareza de um orçamento que escape da visão de curto prazo, é importante ter um planejamento também de horizonte mais amplo que apenas quatro anos. Nesse sentido, a Seplan tem indicado a necessidade da elaboração de um plano de longo prazo denominado Estratégia Brasil 2050. Quando esse plano será conhecido e qual a amplitude que podemos esperar de seu conteúdo?

VA- No último mês de agosto, o Ministério do Planejamento e Orçamento publicou uma portaria que estabelece os procedimentos e o prazo para a elaboração da proposta da Estratégia Nacional de Longo Prazo, a Estratégia Brasil 2050 (Portaria GM/MPO nº 244, de 7 de agosto de 2024).

A Estratégia Brasil 2050 trará orientações estratégicas, com indicadores e metas, para reduzir desigualdades sociais e regionais; enfrentar as mudanças climáticas; preparar o país para a transição demográfica; garantir um crescimento sustentável e inclusivo; e promover um aumento dos investimentos de todos os segmentos e portes de negócios.

A construção da Estratégia Brasil 2050 está desenhada para que o plano se consolide como esse referencial de longo prazo, com legitimidade para mobilizar parcerias institucionais e recursos para orientar o desenvolvimento nacional até 2050.

A exemplo da elaboração do Plano Plurianual Participativo (PPA 2024-2027), a elaboração da Estratégia 2050 parte de três perguntas: que país somos hoje; que país queremos ser em 2050; e como vamos chegar lá. Para respondê-las, o processo de elaboração da Estratégia Brasil 2050 envolverá as seguintes atividades: i) análise situacional e retrospectiva; ii) definição e fundamentação de megatendências e incertezas críticas; iii) elaboração e análise de estudos temáticos e prospectivos; iv) análise de estratégias ou planos nacionais, regionais e setoriais; v) elaboração do cenário desejado até 2050; vi) identificação de forças, fraquezas, oportunidades e ameaças; e vii) formulação dos atributos da Estratégia Brasil 2050.

Esse processo é coordenado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, por meio da Secretaria Nacional de Planejamento, que o realiza em conjunto com todo o governo federal e conta com a participação ampla dos setores público e privado, da sociedade civil e da academia, nas três esferas federativas. A conclusão da Estratégia Brasil 2050 está prevista para julho de 2025, quando o plano será apresentado para validação do Presidente Lula.

Com o referencial de longo prazo, buscamos fortalecer a capacidade de gerar soluções para o presente com o olhar do impacto dessas decisões no futuro. A Estratégia Brasil 2050 fornecerá diretrizes para políticas e investimentos futuros, a partir de uma perspectiva abrangente e integrada, que contribua para transições mais suaves entre diferentes ciclos de planejamento e reforçando a estabilidade e a continuidade de políticas públicas estruturantes. O planejamento de longo prazo nos auxiliará a formular políticas públicas e planos governamentais mais coerentes e integrados, que de fato sejam capazes de responder aos desafios econômicos, sociais e ambientais atuais e futuros do Brasil.

Para isso, prevemos uma conexão concreta da Estratégia Brasil 2050 com o PPA e o orçamento anual. Essa conexão será realizada a partir da dimensão estratégica do PPA, que foi desenhada justamente para ser o ponto de partida para a construção do plano de longo de prazo.

A Estratégia Brasil 2050 contará com uma visão de futuro, valores, diretrizes e orientações estratégicas com perspectivas regionais. Essas orientações estratégicas estarão divididas em três eixos (os mesmos do PPA) e contarão com indicadores-chave e metas, para viabilizar o acompanhamento da evolução do país na direção das transformações desejadas e pactuadas.

Além da previsão de indicadores-chave e metas, a Estratégia contará com mecanismos de governança para que ela permaneça na agenda, mesmo com a alternância de governos. A conexão com o PPA, a definição de processos de monitoramento, avaliação e revisão e a indicação de harmonização com planos nacionais, regionais e setoriais de médio e longo prazo são exemplos de mecanismos que serão previstos para assegurar a continuidade e a atualidade da Estratégia, bem como para induzir a formação de arranjos de implementação que permitam transformar as aspirações das orientações estratégicas em realidade.

Virgínia de Ângelis – Atualmente ocupa o cargo de Secretária Nacional de Planejamento do Ministério do Planejamento e Orçamento. É Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU) desde 2006, tendo atuado sobretudo no controle das finanças públicas, do planejamento e orçamento e na avaliação de políticas públicas e de governança pública. Está cedida ao Ministério do Planejamento e Orçamento desde março de 2023, onde também exerceu as funções de Diretora de Programas das Áreas Econômicas e Especiais e Secretária-Adjunta, sempre na Secretaria Nacional de Planejamento. Tem formação em Relações Internacionais e Direito, com especialização em Orçamento Público. Linkedin: linkedin.com/in/virgínia-d-9348128

Dalmo Palmeira – Economista, integrante da carreira de Analista de Planejamento e Orçamento, do Ministério da Economia, ocupou diversos cargos na Administração Pública, dentre os quais Gerente de Projetos na Secretaria de Orçamento Federal – SOF e Assessor em Economia e Finanças Públicas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Foi também Consultor Residente do Fundo Monetário Internacional – FMI, membro do Conselho Fiscal do BRB e Secretário Adjunto de Planejamento e Orçamento do Governo do Distrito Federal – GDF. Atualmente é assessor técnico no Senado Federal. Likedin: linkedin.com/in/dalmopalmeira